domingo, 29 de abril de 2018

15 poemas inéditos

Poemas escritos entre janeiro a abril de 2018. 


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Procuro seus olhos
como o céu 
procura pássaros.

O horizonte alcança esperanças.

Sua presença 
e toda vastidão 
dentro de mim.


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Se você soubesse 
o que é olhar
seus olhos 
você ia querer 
ser eu.


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O louco

Se eu falo 
de amor 
no poema
é lindo 
e acolhedor.
Se eu falo 
de amor 
na vida real
sou louco 
e sonhador.
Se o exemplo
de superação 
é na televisão 
é verdade
e inspirador.
Se o exemplo
de superação 
for ao seu lado
é mentira
e menosprezado.
Há quem 
se sinta grande
quando olha 
pro horizonte.
Há quem 
se sinta pequeno
quando olha
o que está vivendo.

Quero pessoas
que sintam o ato
além do que enxergam
além do que exalam.
Quero flores
e detalhes raros.

José Couto


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A nuvem
não vai 
nem vem
passeia.


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Uma pergunta que não quer calar:
o santo que te escolhe
ou você que escolhe o orixá?

Assim como o nome do seu Deus 
que será você 
que escolherá.
Assim como o nome da sua fé 
que será você 
que vai batizar.
A sua crença 
será você que vai reverenciar.
Os seus princípios 
será você que vai doutrinar.

A fé maior 
está em acreditar no silêncio ruidoso 
morando dentro da cabeça 
e nele se proliferar 
a paz de ser o que se é.

No seu refúgio 
só cabe 
suas escolhas.

Tassiano Simões 


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Vejo arte nas formas
ou as formas se mostram 
arte?


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Já lutei 
contra alguns demônios.
Eu próprio já fui demônio 
na vida de alguém.
Hoje, luto contra algumas 
sombras.
Os tempos sombrios 
são outros.
A lua sorriu.

Abreu dos Breus


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Oração

Minha mãe,
traga força 
e clareza 
a minha fé.
Que se faça luz 
no caminho
e me faça asas
e espinhos
onde me venha
e onde me vou.
Dei-me discernimento
serenidade e direcionamento.
Me leva
onde só chega
o vento.
Me ensina
sobre essa sina
e outras vidas.
Me mostra
o que importa
e desimporta.

Tassiano Simões 


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No céu

Aves encantam vôos 
e desolam vãos. 


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Um sente dor profissional

Não sou um revolucionário.
Sou um observador.
E, por isso, sou um pensador.
Estes atos atados
me libertam escrita
caminhos, linhas, afagos.

As minhas letras
podem revolucionar você
ou não
pedem qualquer sentido
ou não 
perdem qualquer evolução.

Sou um 'sentidor'
um sente dor profissional
um sentido anormal
um sentimento vital.


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Sobra saudade
onde seu 
abraço falta.


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Ela me disse que 
"somos do mesmo elemento".
Eu achei lindo seu dizer
pensei que era algo poético.
Mas ela esclareceu e disse 
que éramos do mesmo elemento 
segundo o zodíaco.
Eu continuei achando bonito.
É bonito tudo que sai da boca dela.
E continua sendo poético.
É poético tudo que ela é.


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Quando você termina 
de falar a palavra "agora"
já é passado. 
Quando você pensa 
em falar a palavra "agora"
já vem futuro.
E quando é agora?
Quando sentimos.


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De madrugada 
um cachorro anda sozinho 
pela rua fria e desolada.
Meu peito murcha
sem esperanças 
sem virtudes.
Quando aprendemos mais
na presença 
ou na ausência?
A vida é feita 
de despedidas
e encontros.
É preciso atenção
para perceber 
estes encontros.
E é preciso viver
para sentir 
estas despedidas.


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Até lá

Dizem que antes da morte lembramos de momentos da nossa vida.
De que momentos você quer lembrar quando a hora vier te abraçar?
Você já viveu os momentos que serão suas lembranças? 
Ou você ainda vai chegar nos momentos que quer viver?
Se até lá 
eu for enxergando cada momento
cada paisagem cada caminho cada olhar
como se tivesse visto pela primeira vez
chegarei feliz.


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José Couto, Tassiano Simões e Abreu dos Breus são pseudônimos do poeta Guto Sampaio.


segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Leia três contos de horror da obra "afetos, abismos e engenharias"

Frank


A fila chegava até o lado de fora do banco. O calor de 39 graus e ausência de sombra deixavam o público impaciente com a demora do atendimento. Sandra, que já estava dentro do banco, apertada, falou com a mulher em sua frente:
_Minha senhora, vou até o banheiro, você guarda meu lugar?
A senhora fez um sinal de positivo com a cabeça. Um gordo que estava atrás dela também fez sinal de positivo, ouvindo o que ela disse.
Cinco minutos depois, Sandra retorna para a fila e vê que um homem, que não estava antes ali, estava em seu lugar.
_Oi. Esse é meu lugar, você entrou nele.
_Eu sei. Te vi saindo também. Você estava em minha frente – o homem diz à Sandra.
A senhora que estava na frente dela olhou-a sem esboçar reação, mas com o olhar de positivo.
_Então tá, deixa eu entrar em sua frente? 
O homem diz que sim com sua cabeça à Sandra. Ela retoma seu lugar. 
Todos perceberam que ele cortou a fila, mas reclamar em fila é falta de educação. Quando você reclama, o reclamado não gosta e as outras pessoas que estão na fila te acham grosso ou mal educado. Geralmente, o ‘furão’ sai como o certo. Principalmente se a sua reclamação for num tom mais arisco. Mas o homem que tomou o lugar de Sandra, usando de uma ótima tática (moreno, alto, esbelto, bonito, com cara de rico, chamando atenção de homens e mulheres), conseguiu seu lugar na fila. A boa imagem é um passaporte para a cortesia alheia.
_Não aguento mais esse sol – diz Sandra.
_Tá impossível – a senhora concorda.
_Você já ouviu uma música: Eu não me acostumo com o sol da minha cidade... – Sandra cantarola para a senhora e, de canto de olho, espia o homem que está atrás dela e apareceu do nada.
_Não minha filha, não ouvi ainda. 
_É de um artista daqui da cidade.
Sandra cala-se um pouco, percebendo que o homem estava olhando para baixo, na direção da vagina dela. Mesmo acanhada, puxa assunto:
_E você... se acostumou com esse sol?
_Também gosto muito de música. Arte em geral – com voz de locutor de rádio, ele responde a ela.
_Nossa, o senhor é locutor de rádio? – A senhora, grande ouvidora de AM, pergunta-lhe.
_Não.
_Qual seu nome?
_Frank. 
_Nome de artista!
_Depende do ponto de vista.
Os três riem. A fila anda. Coincidentemente, Sandra vai ao caixa e, em menos de dez segundos, Frank também vai ao encontro de seu atendimento no caixa. Frank termina primeiro e sai do banco. Com os olhos, ele despede-se de Sandra e ela dele. 
Três minutos depois, ela sai do caixa e dirige-se para fora do banco. Do outro lado da rua, ela avista Frank comprando um soverte. Ela segue seu caminho. Passa prestando atenção na rua, no asfalto quente, pelando, nos carros que estavam por vir. Frank atravessa a rua na direção de Sandra.
Quando ele chega perto dela, cumprimenta: 
_Oi...
_Oi.
_Refrescar é bom! 
_Com certeza.
Ela fica parada na frente dele, na sombra feita pelo seu corpo alto e forte. Ele dá risada.
_Pra onde você vai?
_Vou para a parte sul da cidade. E você?
_Vou para a leste.
_Sei que nos conhecemos agora, mas sinto que posso te ajudar te oferecendo uma carona. 
Os dois riem.
_Vem comigo. Se vier, você tem direito a mais um sorvete. Quer? – indaga Frank.
_Um sorvete eu até quero, mas ir com você, não. É muito contramão – Sandra diz, preocupada com a intenção de Frank.
_Que nada. Você é uma boa companhia. Faço questão de te levar. Senti uma empatia entre nós na fila.
_Também senti isso. Mas não te conheço bem. 
_Tudo bem se você não precisa da carona. Mas vamos tomar um sorvete. Você gosta de morango, acertei?
_Não muito, mas neste calor é bom um sorvete de limão.
_É verdade. Tá na moda deixar a boca gelada – diz Frank, sorrindo.
Os dois tomaram seus gelados doces e conversaram mais. Sandra estava interessada desde o primeiro momento que o viu. Mas Frank era um desconhecido e ela não queria passar a impressão de que seria uma dessas que se abre de primeira.
_Pois então vou indo. Vem comigo?
_Obrigada, mas a carona fica para outro dia. Garanto a você que teremos outra oportunidade – diz Sandra.
_Olha, eu insisto. Eu tenho uma coisa pra fazer na região leste, posso passar lá primeiro.
_Por que quer dar essa carona!?
_Como você é direta. E direita – ele sorri.
_Desculpe, não quero ser chata...
_Tudo bem. Vai querer a carona ou não? E é só uma carona. Não passa disso. Só estou sendo gentil – Frank diz, brilhando seus olhos e reluzindo seu sorriso para ela.
Depois de vinte segundos raciocinando, pesando o medo e sua vontade, ela aceita. 
_Ok. Mas é só uma carona, tá?  – ela diz, olhando para o chão, depois para os pés dele, depois para suas mãos, para sua calça apertada, para a sua boca. E, depois de uma outra pausa em silêncio, analisando-o por completo, ela completa – Vamos. Mas você tem a carteira há quanto tempo? – Sandra sorri ao perguntar.
No carro, Frank não para de olhar para os pés de Sandra.
_O que que você está olhando tanto para baixo?
_Não estou olhando para baixo, estou olhando no anglo diagonal para baixo. Compreende?
_Mesma coisa. Diz.
_Seus pés. Lindos, sinceramente...; sem palavras para eles.
Sandra dá um longo sorriso e fica avermelhada.
_Desculpe se fui inconveniente.
_Não, que é isso! Sempre é bom pra alma feminina ouvir esse tipo de coisa.
_Então sua alma deve ser feliz e sorridente.
Os dois riem. 
Frank continua: 
_Eu a vejo daqui. 
_Vê minha alma? – Sandra sorri contagiosamente.
O carro passa por um buraco. Um som de estouro. Ela assusta-se. Ele pede calma. Sandra acalma-se, Frank encosta o carro.
_Quer merda! Estourou o pneu.
_Percebi. 
_Fique tranquila que sou o melhor profissional para trocar pneus na região.
Ela ri.
_Mal te conheço, mas já gostei do seu bom humor.
Ele desce e vai trocar o pneu. 
_Vou comprar uma água, você quer? 
_Sim. Obrigado.
Ela volta com a água em mãos, Frank já está com o estepe fora do carro.
_Vai se sujar todo.
_Não tem problema, problema é a sede. E você tem água, ou seja, tem a solução. Então, o que temos aqui é você como solução e eu como agilizador.
_Você costuma sempre falar bonito, querendo ser engraçado ou fica inventando palavras? – Sandra gosta de homens de bom humor, parece que ele sabia.
_Só quando quero impressionar ou até bajular.
Os dois conversam enquanto ele troca o pneu.
_Quer me impressionar, Frank?
_Consegui? 
Um riso mais suave, bem sensual, o que é natural em Sandra.
_Pelo visto, consegui. 
_Mas, pra que me impressionar?
_Como eu disse, quero é impressionar, ou até te bajular. Ou seja, quero ser sincero com esse seu sorriso por inteiro – ele fala sorrindo. – quero te bajular.
Sandra não aguenta, derrete-se em mais sorrisos contagiantes, mas dificulta a conversa:
_Não gosto de homens que ficam me babando.
_Então vou arranjar um babador até você chegar ao seu destino. 
Sandra fica calada. 
_Olha, como fui eu que te convidei, vou parar de fazer coisas que não te agrade.
Sandra sorri e diz:
_Não é pra tanto. Fique tranquilo. Às vezes desconfio de pessoas com boas intenções demais.
Dois silêncios entre eles. 
_Tá com fome? – Sandra pergunta.
_Com certeza, com fome e sujo. Vamos juntos comer? 
Sandra não reluta, por dentro era isso que ela queria. 
Eles chegam ao bar-restaurante.
_Frank, por que você puxou assunto comigo e me convidou para me dar uma carona?
_Olha, hoje é sexta e já é quase hora das estrelas brilharem sem parar durante o resto da madrugada. Sou livre quanto qualquer homem ou mulher que se interessa por outro que tem algo a acrescentar. Você chamou minha atenção assim que entrou no banco, não pude evitar. Fiz errado?
_Falou uma parte como poeta, são seus versos?
_Sim. E você, por que aceitou?
Sandra não responde com a boca, mas seus olhos não escondiam a satisfação de ter aceitado a carona e a companhia.
_Eu quero dois pastéis de carne – Frank pede ao garçom e olha para a prateleira de bebidas.
_Quero um também – acompanha Sandra.
_Uma dose também?
_Não bebo bebidas quentes. Mas uma cerveja cai bem.
_Vai ter que tomar sozinha, Sandra. Porque vou de alcatrão.
_Se eu tomar uma cerveja sozinha, fico bêbada.
_Se eu tomar alcatrão sozinho, fico caído.
Sandra ri.
_Tá bom. Vou te acompanhar, mas tomando minha cerveja sozinha. Você fica com seu alcatrão.
_Ok. Então vamos ser agora uma bêbada e um caído. Não vai dar em nada.
Os dois riem e seus olhos tocam-se.
Depois de duas horas, já alimentados, conversando sem a falta dum sorriso na mesa e já com os ‘pedidos’ pedidos e bem comidos, Sandra, curiosa, pergunta a ele:
_Que que cê olha tanto para baixo? Ainda olhando para os meus pés? 
_Sim. Seus pés dizem muito de você.
Outro riso de Sandra.
_Cada riso seu diz muito de você.
_Olha, fala de você então, porque estou dizendo demais de mim.
_Não falo de você o tempo todo. De mim, falo se perguntarem.
_Então diz de você – Sandra insiste.
_Sou Frank, nordestino, adoro buchada, pimenta, sol, não gosto do frio, me deixa depressivo, e, quando fico assim, faço muitas besteiras, besteiras incontroláveis. Tenho 28 anos, sou formado em Literatura, mas não exerço a profissão, me sustento trabalhando na área administrativa de uma das maiores empresas da nossa cidade. O que faço? O que sou? Nada disso é importante perto do que vou te falar agora...
_É! O que é mais importante que você tem pra me falar agora? 
_Sandra. Sandra, Sandra! Aproveite-me, essa pode ser a última vez que me verá. Não porque vou embora ou sumir, dissolver como qualquer matéria, mas porque já estou gostando demais, ou melhor, está surgindo em mim um estalo de paixão por sua pessoa que me fará não lhe querer mais amanhã. Só por essa noite.
_Frank, você é uma graça que me faz rir. Mas não entendi muito o que você quer dizer. Tipo, se você se apaixonar por mim hoje, não irá me querer mais? Como assim?
Frank sorri, fica um pouco em silêncio e diz:
_A paixão me assusta. Ela começa no afeto e quase sempre termina no abismo. É um remédio e um câncer para a alma.
_Nossa, como você é melodramático – Sandra diz, sorrindo para Frank.
Já pela terceira cerveja e pela décima primeira dose de alcatrão, ele toma coragem e senta-se na cadeira ao lado de Sandra.
_Finalmente. Eu tomei cada garrafa dessa bem devagar, esperando sua atitude. E ainda assim você demorou duas garrafas e meias para sentar ao meu lado!
_Às vezes preciso beber pra falar espontaneamente como você falou agora.
_Mais espontâneo do que isso que você já falou?
_Sim, mais solto. Mais leve. Mais livre para lhe dizer a verdade que sorri aqui na minha frente. Porque realmente seu sorriso é verdade. Seu olhar é um pedido: faça o que quero, que farei a ti. 
Sandra escuta com o sorriso no canto da boca. Frank continua:
_Vale muito a pena este momento para engrandecer a minha vida. Pois, perto do universo, minha vida é pequenina, mas, para este momento minha vida, meus Deus, é linda.
_Você já bebeu demais. Tá filosofando demais!
_Bebi sim, mas desde que entrei na fila...
_Você furou a fila! Sabia... – outro grande sorriso de Sandra ecoa no ambiente.
_Furei porque não aguentei ver seus pés de longe e não olhar de perto. Entrei na fila sem ter o que fazer no banco e, mesmo só trocando miúdas palavras, vi seu pé de perto, foi o que importou naquele momento.
_Você é louco!
_Se for pra você sorrir assim para mim, sou sim louco, sempre louco. Na verdade, você por inteira, quer dizer, do que vejo, e você não vê e o que não vejo e nunca verei, ao que não vejo, mas posso “entrar” pra sentir. Entende? Você por inteira é o que sonhei ontem à noite e achei que só era sonho. Mas não foi sonho. Desde ontem, eu sabia que hoje estaria aqui contigo.
_Não entendi nada, mas posso dizer que você é muito melodramático mesmo e ainda se apaixona romanticamente à primeira vista, está conseguindo estragar o clima – Sandra sorri com os cantos da boca. 
_Não estragarei mais o clima.
Sem perder tempo com mais delongas, Frank a beija, segurando-a pela nuca.  E já eram sete da noite. 
Ela, com o rosto colado nele, fala:
_Demorou também.
_Eu sei. Sei que demoro. Sempre demoro.
Entra no bar uma mulher. Sandra a conhece.
_Vamos embora.
_Por que, Sandra?
_Vamos pra outro bar. Conheço um lugar que tem música ao vivo. É justamente na região leste.
_Por que quer ir?
_Para ser sincera – ela fala bem baixo no ouvido de Frank –, não gosto dessa mulher que entrou no bar.
_Eu sei porque é...
_Como assim você sabe? Você me conhece de outro lugar?
Ele a beija.
_Não, moça. Calma. 
_Então diz, como sabe que não suporto aquela gorda? – Novamente pergunta no ouvido dele, sorridente.
_Ela tem isso que você fez. Tem uma pessoa falando no ouvido dela. Sussurrando feito mosquito.
_Que pessoa?
_Um encosto. Olha lá do lado dela, aproveita que ela não está olhando pra cá. Não vê? É uma velha que se veste toda de branco. Ela está embriagada e agora olha pra nós, com ânsia nos olhos e um riso na boca.
_Você é louco...
_Preste atenção e veja.
Os dois ficam em silêncio olhando a mulher de costas sentada.
_Viu?
_Vejo só aquela gorda...
_O que foi que ela te fez? 
_Não vale a pena comentar. 
_Eu garanto que ela não vale nada. E digo mais: eu acho que você está vendo o que estou vendo. Só que de uma forma diferente da minha. Daqui você vê a diaba gorda, seu desafeto, e eu vejo o encosto. Ou seja, ela é amaldiçoada na minha visão e na sua.
_Não é pra tanto, mas realmente não gosto dela. Vamos embora!
Às 01:34h da madrugada, depois de terem passado em outro bar, eles estão chegando em frente ao prédio onde Sandra mora. Um prédio com quatro apartamentos, onde cada morador tem a chave da garagem. Não tem porteiros. É uma rua nobre da cidade, mas, nesse horário da madrugada, não tem uma alma viva pela rua.
_Vamos subir pela escada, o elevador está quebrado.
_Você mora em que andar?
_No último. No quarto andar.
_A escada é escura?
_É sim. Tem medo de fantasma?
_Na escuridão total, sim. Eles usam do breu para me provocar – diz Frank, sendo irônico.
_Mas você não estava vendo o encosto no bar mais cedo. Cadê o homem que vê alma e fantasma?
_No claro, eles só nos olham. No escuro, eles falam e mostram as piores atrocidades.
_Olha: a escada é iluminada. Mas para logo com essa conversa de espírito, que tá me deixando sem clima.
Frank, sorrindo, continua:
_Você puxou o assunto, gata. Mas, vamos, a escada também é muito boa para outras conversas e afins.
Sandra sorri com a ajuda do álcool e Frank segue com ela, ambos cambaleantes.
Ela entra na frente dele e começa a subir as escadas.
_Esse seu rebolado em minha frente: subindo fazendo curvas, me tocam em estímulo.
Sandra sorri e para no primeiro andar, olha pra Frank e pergunta:
_Para o que você não tem uma fala engraçadinha?
_Só quando minha boca está ocupada com outra coisa.
Ela faz cara de dengo e sorri meiga. Ele abaixa-se, levanta a camisa de Sandra e a beija no umbigo.
_Eu gosto disso – ela fala sorrindo.
Ele a vira e beija suas costas, perto da bunda. Abaixa um pouco a calça apertada de Sandra e beija o início de sua bunda, colocando a língua no seu cofrinho. Ela afasta-se dizendo e sorrindo: Sinto cócegas! Ele abraça-a pelas costas e beija sua nuca:
_Calma, linda! Depois dos treze anos não é mais coceguinhas, nem comichão, é outra coisa.
Ela, inclinando a cabeça e tirando o cabelo da nuca, pergunta:
_O que é, então?
_Você tem que descobrir – Frank diz, beijando-a na boca. Um beijo apaixonado. 
Em seguida, ele abaixa-se novamente pelas costas dela e põe a língua no mesmo lugar. Ela tenta fugir, ele segura-a pela cintura. Levanta a camisa de Sandra, beija suas costas e abraça-a, segurando em seus seios. Frank levanta-se e beija sua nuca, aperta seus seios delicadamente, abaixa suas mãos, abre o botão e abaixa o zíper da calça de Sandra.Ele abaixa-se novamente, abaixando as calças de Sandra até a metade de suas coxas. Frank, sem perder tempo, beija a bunda de Sandra, aperta-a com uma das mãos, a outra, enfia pela lateral da calcinha. Sente que Sandra depila-se regulamente. Ele passa seu dedo nos lábios que não falam entre as pernas de Sandra. Com a boca e dentes, morde sua calcinha, puxando de lado a roupa de baixo, e, com a língua, invade as bandas da bunda de Sandra. Ele sente na ponta de seu dedo que ela está muito molhada. Ela inclina-se um pouco e ele enfia a língua no cu de Sandra, escorregando até sua buceta, e lambe de cima a baixo sem parar, com o dedo no clitóris dela. Depois de alguns segundos, ele levanta-se e a beija. Ela agarra Frank, sedenta. Ele retribui. Ela enfia a mão na calça de Frank e pega em seu pau, que está duro. Ela aperta. Ele abaixa a calça dela ainda mais, levanta a camisa e beija os seus seios. Ela começa a gemer um pouco mais alto, cheia de tesão com o dedo indicador de seu amante em ação. Ele fala no ouvido dela: cuidado para não acordar os seus vizinhos. Ela sorri. Ele abaixa-se novamente, bota a calcinha dela de lado, quase que rasgando, e, com a língua, pressiona o clitóris fazendo movimento circulares. Depois Frank abre bem a vagina e enfia e tira de dentro sua língua, como se a comesse com um paladar voraz. Ela torna a gemer mais alto, ele não faz nada, continua a chupá-la, lambendo a vagina de cima a baixo. Ela geme um pouco mais alto, ele levanta-se e tampa a boca de Sandra. Por segundos, encara-a e sorri. Antes que ela esboce reação, ele a vira, abre o botão e o zíper de sua calça. Com uma das mãos, segura o cabelo dela pela nuca, com a outra, abraça-a, puxando-a. Com carinho, coloca seu pau altivo e ereto entre as pernas dela, roça alguns segundos entre as coxas e a entrada vaginal, deixando que ele penetre sozinho, pois fica uma facilidade quando ela está molhada. Frank continua beijando sua nuca, enfiando devagar e com algumas enfiadas fortes, variando com a penetração mais rápida. Ora com a mão na buceta de Sandra, ora com a mão na sua boca. Durante esse movimento, Frank bota a mão em seu bolso do fundo da calça, fecha um pouco a mão, mas tira a mão do bolso. Eles ficam dezessete minutos nessa posição. Até ele a virar, levantar uma de suas pernas e enfiar, olhando em seus olhos. Frank sorri. Sandra já havia gozado na primeira posição, na segunda, continuou muito bom, mas não deu tempo para gozar novamente, Frank gozou. Ele abraça-a por alguns segundos e sai de perto. Os dois vestem-se e ela diz:
_Vamos lá em cima pro meu apartamento?
_Lógico, estou com fome, com sede e ainda tem coisas inevitáveis que quero fazer com você.
Ela sorri novamente. Eles sobem. Ela abre a porta, ele entra e abraça-a pelas costas de novo. Beija sua nuca, já de pau duro. Sem cerimônia, abaixa as calças dela e as suas também. Encaixa novamente o pau entre as pernas dela. Ela gosta e vira o rosto para olhar para trás. Ele inclina-se e a beija. Ela solta-se um pouco dele, vai em direção ao seu quarto, tira suas calças, tira a calcinha e a sua camisa, tira o sutiã, deita-se de pernas abertas e o espera, sorridente. Ele vai em direção a ela, tira a camisa, a calça também, jogando-a por cima da cama, ao lado de Sandra. Frank encaixa-se no meio das pernas de Sandra. Cinco minutos depois, ele a deita de costas e penetra-a com rapidez. Entre o movimento rápido e uma abaixada para beijar a nuca dela, ele, com destreza, enfia a mão direita no bolso traseiro da sua calça, que estava na cama de Sandra. Frank aperta a mão, como se tivesse segurando algo com força e raiva. Ele tira um saco plástico do bolso de sua calça. Sandra está de olhos fechados e gemendo mais que a vontade. Frank, com as duas mãos, rapidamente, abre o saco e encaixa na cabeça de Sandra. Ela primeiro tenta tirar o saco de sua cabeça, segurando os pulsos dele, depois tenta rasgar o saco e não consegue, até começar a se debater sem ar. Frank desencaixa-se dela e senta-se em suas costas. Ele aperta o saco plástico com mais força e agressividade. Sandra tenta escapar, mas só se debate e perde as forças aos poucos. Sandra tenta. Tenta... 
Frank, em cima de sua vítima, olha para frente e vê pelo menos vinte almas penadas, espíritos, que vagam ao redor dele há mais tempo que suas memórias podem se lembrar. Os espíritos, calados e cheios de motivações, assistem à cena com um desespero motivador e cinzas de enxofre em seus olhos.
Depois de 3 minutos e 37 segundos, Frank afrouxa a mão, mas continua em cima dela, que continua com o plástico envolvendo sua cabeça. Frank, sério, com olhos de admiração pela sua vítima e uma face de agradecimento, como se tivesse sido aplaudido pela comitiva dos espíritos voyeurs, respira ofegante e com gracejos de felicidade.
Alguns minutos depois, levanta-se, veste-se, vai até a cozinha, abre a geladeira, pega uma maçã, começa a mordê-la. Pega uma garrafa de plástico com água, bebe parte da água. Coloca a garrafa de plástico no seu bolso. Comendo a maçã, matando sua fome, volta ao quarto, pega seu saco plástico assassino e guarda no bolso do fundo de sua calça. Ele lembra que seu esperma está dentro dela. Ele sorri ironicamente e pensa: “Será que deu tempo de ela engravidar?”. 
Antes que saísse da casa, Frank pega um pano que estava na pia da cozinha e, com o pano em mãos, limpa possíveis rastros de suas digitais. Mas ele lembra-se novamente de seu esperma dentro dela e deixa que a sua boa sorte o ajude. Depois, com certo desprezo, mas ereto, masturba-se em cima do corpo de Sandra, até gozar por cima do defunto branco e, agora, sem alma. 
Frank está no terceiro andar, descendo as escadas, ele percebe uma coisa, sobe de volta metade dos degraus, olha no interruptor que está escrito “Favor desligar as luzes após sair das escadas.”. Frank desliga as luzes e desce na escuridão, ouvindo belas atrocidades dos espíritos que o seguem, assobiando um clássico de Mozart.







O derradeiro


No canto mais escuro, no local mais vazio do bar, com copos de cerveja pela metade e brigando contra a quentura para não esquentarem, existiam Franco e Luís. 
Franco pedia a confiança do amigo mais uma vez:
_Você só tem que grudar o recado em mim. Faz o serviço completo. Os equipamentos necessários e as fitas estarão na bolsa. No final, você leva a bolsa. Deixei uma boa quantia na sua conta. Isso sem falar na nossa amizade. Posso confiar?
Visivelmente, um breve silêncio ecoa. Luís conjectura. Franco espera. Os dois olham-se nos olhos.
_Você sabe que pode confiar em mim. Onde está o recado? – indagou Luís.
Franco procurou no bolso da camisa de botão. Nada. Levantou-se, procurou nos bolsos da calça, e nada. Agoniado e suando, lembrou que tinha enrolado e guardado na carteira o bendito recado. Abriu a carteira com um riso no rosto e deu para o amigo um pedaço de papel com linhas escritas à mão.
_É um poema? – perguntou, retoricamente, Luís.
_O derradeiro – assegurou Franco. Ele estava sentado com um riso celestial encravado ao rosto, como regra, e erguia o copo de cerveja com sua mão direta, como se fosse convidar o amigo para um brinde.
No outro dia, à tarde, Franco colocou em uma bolsa: uma pá, uma enxada, copos descartáveis, uma garrafa de água mineral, uma fita adesiva e um frasco de plástico. Trancou sua casa. Janelas, cadeados e portas. Antes de sair pela porta da frente, não sentiu saudade do que deixava. 
Pela rua, andarilho, caminhou para o local que escolheu há cinco meses. O local era um matagal na beira do rio. 
Franco olhou para o rio. Tinha certeza que o rio refletiria pela última vez seu olhar. Nele, ele banhou e brincou quando criança e jovem. Quando adulto, muito da vida acinzentou. Ficaram sem graça as águas vivas e doces, sobrou a nostalgia em sua memória. 
Franco, certeiro, onde tinha planejado, começou a cavar. Quando atingiu a profundidade de três palmos, parou. Deixou a pá e a enxada dentro da bolsa. Pegou um dos copos descartáveis de plástico e a garrafa de água. Pegou o frasco plástico. Encheu o copo d’água e abriu o frasco. Dentro tinham pílulas de diversas cores. Com satisfação e calma, bebeu um copo d’água com as pílulas coloridas, como o arco-íris, em sua língua. Engoliu sem muito esforço. Caminhou até o buraco e deitou-se na terra fria e marrom. Ficou observando os raios amarelados do sol. Observou o céu. Ouviu com mais atenção alguns pássaros cantarem. Ainda é possível ouvir pássaros cantarem nestes tempos. Radiante, pensou. Ainda consciente, cantarolou algumas palavras: Eu vou indo, meu bem. Enquanto o sol não nascer, não voltarei, meu bem. O sol não vai nascer... ; durante esse momento seus lábios escarneciam.
No horário combinado, Luís chegou ao local. Viu o amigo deitado. Sua pele já não tinha mais vida. Seus lábios gracejavam. 
Luís, sem perder tempo, foi até a bolsa, procurou e achou a fita adesiva. Desceu até o buraco e colou na camisa do falecido amigo o recado que recebeu um dia antes no bar. Luís saiu do buraco e, com pressa, começou a enterrar o amigo.
Enquanto a terra era jogada por Luís sobre a cova rasa, no corpo frio e suicida de Franco, no recado, o poema derradeiro e suas palavras escritas a punho flutuavam. 

Na alma residem afetos, abismos & engenharias. 
Porém, descobri que não é a vida que rege a alma
A alma, como um motor, rege a vida.
A culpa pertence a quem espera pela morte.







O câncer e a carnificina 


A igreja, Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso, já existe há 35 anos. Tem sedes em países da África, China, Japão, entre outros países orientais e ocidentais. Na Europa, tem sede na Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Itália, inclusive na Rússia oriental e ocidental, em inúmeros países das Américas, no Polo sul, parte da Oceania, etc. Hoje, está entrando de vez no mundo árabe com a inauguração conjunta dos templos do Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso nos países dos Emirados Árabes, Egito, na Palestina e na cidade de Jerusalém. A meta é chegar, daqui a dois anos, aos 50 milhões de fiéis pelo mundo, aumentando em 10 milhões o número de féis e devotos da igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso. O Senhor Misericordioso Acolhedor Poderoso Presidente é representado pela figura divina Dele, o iluminado e sagrado excelentíssimo Lúcio Arcanjo John Sant’anna. Ele é o representante maior de Deus aqui na terra. Se não fosse por uma negação dele mesmo, seria apontado como o novo Cristo. Mas o Senhor Lúcio Sant’anna sabe que não será o próximo crucificado. “O Messias estar por vir!”, ele afirma em um dos seus cultos. De qualquer forma, seus fiéis seguidores elevam-no a uma importância maior que a do Papa e do Dalai Lama. 
No culto, o Senhor Lúcio Sant’anna, grande pastor e aconselhador para as boas maneiras e passividades sociais, em busca de uma postura mais digna para cada cidadão e filho de Deus, explica melhor aos seus fiéis sobre a veracidade da palavra de Deus, que ele subentende das entrelinhas da Bíblia e também ouve, em sussurros, a voz do Senhor, sabiamente dita em seus ouvidos:
_Não existe uma importância maior na vida do que a representação de Deus aqui conosco. Aqui e agora, em fogo, dentro dos nossos corações! Ele quer que a paz reine em nossos corações e nas nossas vidas. Cristo deixou o exemplo, se levas o tapa em uma das faces, oferece a outra. A nossa missão aqui na terra, na nossa vida maravilhosa e cheia de tesouros, que Ele nos oferta todos os dias, é pregar acolhimento e termos misericórdia uns com os outros, para descobrirmos o quão realmente Ele é o Todo Poderoso.  MINHAS GRANDES OVELHAS (ele grita em cima do púlpito em uma dessas inaugurações no Oriente Médio), nem o Papa, nem nenhum pastor aqui, nem eu que vos falo humildemente e eloquentemente, nem Jesus Cristo, diferencia-se de você sob os olhos Dele, o nosso grande Deus. Quando você pratica com o coração sincero e entregue o que o nosso livro cândido ordena, Ele te olha e te ama de forma igual.
_Aleluia. 
_Aleluia!
_ALELUIA!!
_Aleluia, grande orador!
O pastor continua:
_Aleluia, irmãos. O milagre da vida, que Deus guardou para nós, está acontecendo agora. Aqui! Eu vejo nos olhos ternos e cândidos de vocês. Eu sou a prova viva que o milagre que Deus opera em nossas vidas nos salva, nos glorifica e nos conduz ao reino dos céus, depois que nos entregamos de corpo e alma a Ele. Antes de eu sair da esbórnia, da lama, do limbo em que estava... acreditem: todos os dias eu e minha família tínhamos fome, vivíamos de pecado, nunca tínhamos um bom prato de comida. Ninguém naquela casa tinha um zelo qualquer. A fé não dormia ali. Os abraços eram falsos, os cumprimentos não passavam de mera formalidade. Minha família se dissolveu. Literalmente, fiquei na lama. Comecei a ver demônios em todos os lados. Falava com mortos, como Cristo também falou. Pensei em me matar (lágrimas saem dos olhos do pastor Lúcio Sant’anna). Achei que estava louco. Vi as piores coisas que um homem poderia ver. Foi quando um olhar divino veio e me mostrou o verdadeiro livro dentro da Bíblia... – explicava Lúcio Sant’anna aos seus fiéis. 
Ele tinha uma capacidade de enxergar os sentidos implícitos de forma quase transparente nos versos da bíblia. Esse poder que surgiu para Lúcio Sant’anna, nessa fase de desespero, que o ajudou a fundar a igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso. E, assim, trouxesse para todos os seus seguidores acolhimento, misericórdia e o verdadeiro poder e amor Dele, o Todo Poderoso Deus.

Paulo morava e trabalhava como um “faz-tudo” na casa de recuperação do governo para dependentes químicos da cidade de Brasileira, no estado do Piauí, Brasil. Quando ele tinha 11 anos de idade, foi achado nu, vomitado, com marcas roxas e pequenos cortes pelo corpo, com o ânus machucado e sangrando, muito sujo, fedorento e desmaiado, dentro de uma lixeira coletiva do bairro onde fica a casa de recuperação. Essa lixeira foi encaixada no carro do lixo. Mas, enquanto a lixeira coletiva fosse virada e todo o lixo dentro de sua caçamba fosse derrubado, um dos lixeiros (que Deus o abençoe) viu o corpo franzino, quase um corpo putrefato, caindo junto com os detritos na caçamba, quase assassina, do carro de lixo. 
Na instituição para dependentes químicos, todos que trabalhavam ali, inclusive os adictos e ainda em estado de pura abstinência, receberam com todo amor possível a criança, que não se lembrava de como havia parado naquela lixeira. Ou não queria lembrar de que inferno ele saiu para chegar até ao lixo. Mas, curiosamente, ele lembrava-se da idade. E aquele lixo foi parte do caminho para chegar ao seu céu, ou melhor, a um lugar em que ele seria bem acolhido e teria todos os cuidados que uma criança merecia. 
Já com 13 anos, Paulo (nome dado pelas pessoas da casa de recuperação) filiou-se à igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso. Com 15 anos, já ajudava no tratamento dos drogados que estavam internados na clínica. Com 21 anos, tinha plena certeza de que Deus colocou como missão de sua vida ajudar essas pessoas esquecidas e abandonadas pela sociedade e que se perderam na droga. Com 26, começou a se interessar pelo caminho de pastor e, com 31 anos, Paulo, que era um homem correto e exemplo para todos que o conheciam, tinha certeza que faltava pouco para chegar ao ápice de sua vida: ser condecorado pastor da igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso. Ele, o grande e Todo Poderoso Deus, recompensará Paulo por ser um bom homem. Com isso, não demoraria muito para que se tornasse pastor de sua igreja. Paulo, em seus sermões aos drogados em recuperação da clínica, dizia:
_A vida está difícil. A violência só aumenta nos corações das pessoas. Mas a nossa fé nos fortalece. O nosso grande presidente da igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso, o Senhor Lúcio Sant’anna, nos ensina que somos todos iguais perante a Ele. E assim seremos, seguindo como almas brandas do rebanho do Senhor, pois Ele nos salvará, não alimentando mais o fogo do inferno. 
Assim, Paulo cumpria com seus serviços e vivia a sua vida. A bondade no coração dele era tão grande quanto a gratidão que tinha pelos ensinamentos do Senhor Lúcio Sant’anna. Como todo homem, pensava em se casar, mas teria que ser uma mulher especial. Só que a sua principal meta mesmo era virar pastor da igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso, e, assim, servir a Deus ao lado do grande pastor Lúcio Sant’anna.
_Essa igreja me livrou dos meus maiores demônios. Essa igreja e esses ensinamentos de que a fé é igual em sua magnitude eterna em todos os corações e mentes brandas do mundo me mostraram um novo mundo. Um mundo de acolhimento, misericórdia e entrega total ao poder do Todo Poderoso, Ele, o nosso grande Deus – dizia orgulhoso, Paulo, para mais um dos seus ouvintes em um dos corredores da casa de recuperação em que trabalhava.
Algumas semanas depois, Paulo estava sozinho, às onze da noite, na recepção. Ele assistia à TV a fala de um dos pastores representantes de sua igreja em sua cidade. Era uma cidade bem pequena, mas já existiam três sedes de sua igreja, o que o deixava muito orgulhoso. “Todos os dias tem culto e todos ficam cheios de pessoas tocadas pela fé”. Feliz, ele comentava com amigos que ainda estavam perdidos sem ouvir a palavra do Senhor. Mas, nessa noite, olhos sem reflexos o observavam. Paulo já havia sentido um tipo de carma estranho naquele dia, pela manhã. Ele, devoto do Todo Poderoso Deus, rezou, e sua fé afastou esse clima de sua percepção. Mas, ainda nessa noite, de repente, da sombra obscura na parede de uma das pilastras que compunha o ambiente do local, sai uma criança que parecia ter nove anos de idade. A criança tinha olhos de ódio, sangrava entre as pernas e fedia. Carregava na mão uma cruz também cheia de sangue. Paulo assustou-se, mas permaneceu no local apegado à sua forte fé. 
_Menino! De onde você veio? – ele pergunta assustado. 
_Você ainda se lembra do seu nome, seu filho da puta chupador? Você não se lembra mais como ele mandava? “Chupe e não morda!”. Você não se lembra o que ele te fez quando você mordeu?
_Quem são seus pais? Você andou usando drogas? – Paulo não se reconhece, mas já está muito assustado.
_Tá vendo essa cruz? Foi com ela que ele entocou com entojo o Cristo no seu cu, por isso tanto sangue. Tome, Paulo... – a criança caminhava na direção de Paulo, oferecendo o crucifixo a ele e ainda falando outras barbaridades sem parar. Paulo, que se reconheceu naquela assombração, tampou os ouvidos, fechou os olhos que choravam. Suando, começou a gritar e implorar misericórdia a Deus. Algumas pessoas foram até a recepção e viram-no transtornado. Ele havia quebrado a sala inteira. Suas explicações depois só trouxeram olhares impiedosos e vexatórios. Como um homem de fé poderia ver coisas tão horrendas? Perguntavam-se.
Depois de um mês, Paulo teve mais uns nove ataques como aquele. Por mais que aquelas pessoas o amassem e o protegessem, não teve jeito, os pastores da igreja e os médicos que cuidavam da casa de recuperação que ele trabalhava não conseguiram resolver o problema do rapaz, mandaram-no para o manicômio.
_Depois de quatro meses de tratamento, não temos nenhuma evolução. Na verdade, só vejo piora por parte de Paulo.
Afirmava o médico ao Pastor que era responsável pela igreja que Paulo frequentava e que, por pura bondade, assumiu todas as despesas do seu fiel. Diante desse diagnóstico, o Pastor teve duas ações: primeiro, confirmou que Paulo estava realmente possuído, vendo mortos e demônios, pois a ciência não conseguiu curá-lo, nem as orações daqueles pobres pastores da cidade e das cidades vizinhas também não conseguiam curá-lo. A segunda ação do Pastor encarregado do caso de Paulo foi, com todo amor que seu coração podia oferecer, escrever uma carta para o alto clero de sua igreja:

Para o Sr Misericordioso Poderoso Presidente Acolhedor Lúcio Arcanjo John Sant’anna, representante e fundador da nossa bendita Igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso.
Vossa Excelência, sei que deve receber muitas cartas pedindo a sua bênção e ajuda. Mas peço ao nosso Todo Poderoso Deus que esta carta em especial chegue sà suas mãos ...

E na carta, aflita, foi toda a história de Paulo e seu atual sofrimento de visões insanas e, até o momento, sem cura. 
Em menos de uma semana, a carta foi respondida com um texto escrito a punho e assinado pelo Senhor Lúcio Sant’anna. Era um milagre! 
Na carta, o Senhor Lúcio Sant’anna prometia que estaria em Brasileira em seis dias. Dizia ainda que já tinha recebido sussurros de Deus sobre essa possessão e que já se preparava para mais um exorcismo em sua vida. Ele sabia também que, em casos como este, ninguém, além de um homem como ele, que Deus fala diretamente ao seu ouvido, está realmente preparado para resolver. A notícia espalhou-se rapidamente pela cidade, até quem não era da tal igreja queria estar presente no momento em que aquele homem de representatividade mundial e primeiro representante de Deus em vida, fosse à humilde cidade para ajudar o pobre e possuído Paulo.
E assim feito. Seis dias depois, o Senhor Lúcio Sant’anna conversava com o Pastor representante de sua igreja em Brasileira. A primeira providência a ser tomada foi tirar Paulo do manicômio.
_As coisas de Deus só são resolvidas por Deus – disse Sant’anna ao pastor local.
A segunda atitude foi isolar Paulo em um dos quartos do fundo da igreja. A ideia era proteger o pobre Paulo de qualquer exposição na cidade e também criar um ambiente de pessoalidade com o Todo Poderoso Deus, que iria operar mais um milagre junto com Sant’anna a favor daquele fiel sofredor.
À noite, já quase meia-noite, era a hora do Senhor Lúcio Sant’anna adentrar no quarto da igreja, onde estava Paulo. 
Dentro do quarto, Paulo estava num canto. Seu corpo estava com cortes por todos os lados. Seus olhos tinham medo. Pavor e fogo. Muito ódio. Seu choro era mudo. Ele babava um catarro verde. Foram quatro meses intensos. Ninguém acreditava nele. Até porque Paulo falava barbaridades e verdades insanas às pessoas. “Ninguém gosta de verdades”, ele constatou nesses meses de insanidade. Os médicos diziam que ele estava louco. Mas ele sabia que não. Ele não se arranhava sozinho. “Eram eles”, Paulo afirmava a todos. As pessoas de sua fé diziam que demônios o possuíram. Agora, Paulo era o verdadeiro mal. Era uma arma de Satã. “Mas também não é isso’’, Paulo, solitário, afirmava em pensamento. Ele estava vendo os mortos, sendo agredido e falando com eles. Vendo a cara do Ceifador do inferno (a morte ou a sua imagem quando era criança), que prometia buscá-lo, caso ele continuasse a negar o seu passado. Ele via criaturas dantescas que saíam das sombras. Via demônios que saíam dos pequenos buracos do chão e paredes. Das privadas podres do manicômio. Dos ralos, dos banheiros e pias. Essas criaturas comiam cada pedaço podre deixado por nós no segundo anterior, no rastro que deixamos para trás em nossas vidas. Paulo via onde os encostos e parasitas escondiam-se nos vivos: no ombro, dentro do nariz, em cima da cabeça, pendurados em orelhas, em forma de vermes, de vírus, doenças carnais, psicológicas. “Existem demônios que se escondem nas formas dos sorrisos”, ele afirmou uma vez ao seu pastor, que riu dele e disse “o Todo Poderoso Deus o ajudará”. O inferno e as maravilhas de Satã tomaram conta do reflexo de seu olhar. Durante esse período, ele tentou se matar, mas nunca conseguiu. Sempre o socorriam antes da morte o levar. 
_Eu não quero mais. Não quero mais ver os demônios nas pessoas. Todas as pessoas têm demônios por perto. Deus, me leva! Me salva! Por favor – Paulo gritava, implorava, choroso, dentro do quarto improvisado no fundo da igreja.
Paulo não acreditou quando viu o grande pastor, Senhor Lúcio Sant’anna, entrar no quarto segurando uma mala prateada e pomposa. O choro ganhou som e, ajoelhado, ele disse:
 _Eu não estou louco. Os mortos estão aqui convencendo vocês de minha loucura. São eles, meu grande senhor Presidente.
_Eu sei.
_Meu grande Presidente, o senhor sabe?
_Sei. Antes de eu fundar a nossa querida igreja, tive visões como a sua. Os olhos e as palavras de Deus, meu grande salvador, me salvou. E, naquele dia, Ele me deu a missão de fundar a igreja Dele. E hoje, enfim, encontrei quem será, talvez, meu sucessor. Hoje você decidirá como sairá comigo daqui. Se nos braços de Deus ou nos braços da morte. Eu garanto, nem Jesus Cristo, quando ressuscitou, saiu ileso de seus três dias mortos.
_O que preciso fazer, meu Misericordioso Presidente?
_Todos que estão aí fora acreditam que demônios te pegaram. Mas demônios não gostam de pessoas boas como você. O que você tem é um Dom. Eu tenho também esse Dom. A melhor coisa a se fazer é sentar comigo aqui no chão e lermos juntos essa Bíblia.
O Senhor Lúcio Sant’anna abriu a sua mala e tirou uma bíblia grossa e com aspecto milenar. Ele explicou a Paulo que aquela bíblia milenar foi escrita antes do Antigo Testamento. O Antigo Testamento e o Novo Testamento tiraram ensinamentos e trechos desse livro. Só existiam sete exemplares desse livro pelo mundo. Um, ele tinha certeza, estava no Vaticano. Os outros, fora o dele, ele não saberia responder onde estão. 
_Mas esse fato não traz preocupação, nem tem importância. As pessoas que têm acesso a esse tipo de informação só podem estar fazendo o que é certo – afirma Lúcio Sant’anna.
_E o que é certo, Meu Senhor Todo Poderoso? – pergunta Paulo, esperançoso que uma resolução aparecerá para a sua drástica enfermidade.
_Vamos sentar e ler o livro sagrado – afirma o Presidente Sant’anna.
_Não sei nem ler português direito. Como entenderei essa língua?
_Eu vou ler e você vai ouvir. Vou repetir em sua língua e você repetirá o que eu disser. Essa linguagem é desconhecida até dos melhores linguistas do mundo. Essa bíblia foi elaborada quando o mundo ainda era apenas escuridão e já caminhava para ser luz. Você só irá aprender a lê-la depois de lermos este trecho agora. Repita comigo, ok? – Sant’anna falava os versos da tal bíblia em uma língua desconhecida e, em seguida, repetia em português a tradução na íntegra. Paulo seguiu seu guia espiritual e repetia as palavras dele:

Ó pai de todos os bondosos e passivos homens. Ó pai de todos os povos e seus sonhos de paz. Traga-me antes do um, mostre-me o zero que existe neste fiel. Pois o traço que circunda o zero é da mesma matéria que o vazio interno, externo e eterno do zero. Nessa face traçada e vazia, vos apresento mais um messias que tudo vê e tudo saberá. Ó Pai onipresente e bifacial, mostra em sua pele a força do espírito do fogo em numerais traçados. Amém.

E assim foi feito. Ao fim da leitura, depois do “amém”, Paulo já estava muito mais calmo, pois a áurea de Lúcio Sant’anna era divina e a sua energia de paz cativava todo o ambiente. E, incrivelmente, lendo aqueles lindos versos que falavam sobre a bondade, Paulo ficou muito mais calmo e até feliz. E, sem tirar a felicidade de sua ovelha, o Senhor Sant’anna disse:
_Eu sei que seu nome não é Paulo. Não precisa me dizer o seu nome real. Também já tive outros nomes. A partir de hoje, você irá para a nossa matriz mundial da igreja em Nova York e seu nome passará a ser José Paulo Arcanjo Javé – Paulo não se conteve e começou a chorar de felicidade. – Eu sei também o que se passou com você em sua infância. Os estupros do seu pai, a violência de sua mãe, as humilhações diárias em todos os sentidos de sua vida. Passei por isso também. E, quando vi os olhos de nosso grande Deus, eu me livrei disso tudo. 
_Como o Senhor sabe? – perguntou Paulo, curioso.
_Deus sussurra as verdades das pessoas para mim, assim como ele estava fazendo com você esses dias, só que com uma outra face.
_Me perdoe, meu Senhor, me perdoe por não ver que era Deus me mostrando tudo aquilo – suplicava Paulo.
_Deus está conosco. Não se preocupe. Agora, para continuarmos, você precisa passar por um último teste. Um teste que passei também.
As pessoas que estavam fora do quarto estranhavam o silêncio no tal exorcismo que estava acontecendo, mas todos torciam por uma recuperação do bendito Paulo, que, dentro da sala, perguntou a Sant’anna:
_Qual teste, meu grande e honrado Pastor-Mestre? 
_Vire-se de costas. Não se mexa – Sant’anna abriu sua maleta pomposa e pegou uma máquina de cortar cabelos. Com ela, ele raspou a parte de trás da cabeça de Paulo. Passou a máquina no tamanho zero. Mesmo que Sant’anna usasse óculos, o que ele viu com seus olhos arregalados e cintilantes foi nítido. Era a imagem do número “666” marcado em seu crânio. Aquela bíblia atiçou o verdadeiro dogma moral de Paulo nesse mundo. A marca dos números formou-se depois da leitura santa feita por eles e parecia ser os ossos que estavam inchando para fora do crânio. Apesar de ser uma marca pequena, era visível o 666. “Seis. Seis. Seis”. Sussurrou Sant’anna, que saiu do quarto rapidamente e pediu para que todos saíssem da igreja e os deixassem a sós. As pessoas, algumas contrariadas, saíram da igreja, ou se afastaram o máximo possível da porta onde estavam Paulo e Sant’anna.
_Eu disse para todos saírem. E não deixe ninguém entrar no recinto – ordenou o Presidente Sant’anna a alguns insistentes que ficaram de longe na espreita e também para o pastor da igreja, que achou que poderia ficar dentro da mesma e acompanhar a ação do Presidente.
De volta até o quarto, ele chama: 
_José Paulo Arcanjo Javé, venha até o púlpito deste santuário – ele vai e segue até o púlpito da igreja, ainda sem entender o que é exatamente esse último teste.
Sant’anna continua:
_Vamos ajoelhar e pedir ao nosso Deus que ele ilumine a sua cabeça para que você faça a escolha certa.
Depois de uns trinta minutos rezando em paz, o senhor Lúcio Sant’anna continua sua fala:
_ José Paulo Arcanjo Javé, Cristo foi tentado pelo Satanás no deserto. Cristo viu também o seu ceifador.
_Ceifador? – Paulo o interrompe.
_Sim. Ceifador. É o ser que te segue desde quando você nasce até o momento de ele levá-lo. Uns chamam de anjo, eu prefiro a realidade e chamá-lo de ceifador. Ou anjo da morte. Agora, posso continuar, meu fiel?
_Sim – afirma Paulo com um olhar afável.
_Bom. Jesus viu o seu ceifador no deserto. Cada pessoa vê o ceifador em uma forma. Como você, ele via os mortos também. Falava com todos. Antes da ressurreição, nos três dias que ele ficou morto, Jesus Cristo pensou muito antes de escolher o caminho de ressuscitar e se crucificar pela humanidade. Cristo escolheu a face branda de Deus. Escolheu sentir a dor da humanidade em sua própria pele. Ele foi um dos últimos a resistir ao poder que o nosso grande Deus nos oferece com essa bíblia (Sant’anna diz, apontando para o seu livro milenar), que só traz paz e aceitação à essa vida. E hoje ele é sinônimo de salvação para a maioria das pessoas. Mas como as pessoas se salvam? – Paulo fez uma cara de quem não estava entendendo muito o que Sant’anna falava, que continuou com seu sermão. – Cristo também teve acesso à essa bíblia – ele dizia ainda apontando para a bíblia milenar usada no ritual. – Ele também tinha essa marca que tem em sua cabeça. (Que marca? Paulo pergunta-se em pensamento e passa a mão em sua cabeça raspada) Não só Cristo. Mas todos os outros que vieram antes dele e depois dele tinham essa marca que agora aflora em seu crânio.  Todos os outros homens santos dessa terra. Essa bíblia milenar explica como deixar o homem manso e como fazer com que a terra fique do jeito que o Satã gosta. (Paulo olha-o assustado). Você sabe o que estou falando, meu querido fiel? No momento da criação do mundo e de todas as suas belezas, Deus, muito sábio, decidiu que a perfeição não faria parte deste mundo. Pois, de todas as utopias, essa também é uma utopia para Deus. Até porque, se houvesse perfeição nesse mundo, quem seria Deus, então? Disso, Deus criou, por escolha própria, a sua outra face: Satanás, responsável pela criação do dantesco, do podre, da discórdia, do limbo e da verdade. Responsável pelo equilíbrio da vida.
_Meu senhor, meu Presidente, sobre o que falas, exatamente?
_Sobre a realidade, José Paulo Arcanjo Javé – afirmava Sant’anna com os olhos replicantes.
_Mas você está falando de Satanás.
_Ouça-me, meu filho. Ouça-me com atenção. Agora é hora de calar, ouvir e depois decidir.
Paulo, que havia levantado um pouco extasiado, sentou-se novamente, obedecendo seu guia espiritual e seu salvador. Sant’anna, por sua vez, manteve-se imóvel em movimento e no olhar, e continuou falando:
_Deus veio até aqui. Antes que eu chegasse a você, Ele me disse tudo sobre a sua pobre vida. Todos nós tivemos problemas na vida e seguimos errantes em certos momentos. Ele veio até aqui e sussurrou para mim que sabe que seu pai comia o seu cu com crucifixos e cruzes e mandava você chupá-lo. Sua mãe te batia porque achava que você queria o seu pai só pra você. Tinha momentos que seu pai forçava você a comer a sua mãe para ele ter o prazer de gozar sozinho, apenas observando. Você chegou até a foder a sua cadela para seu pai e sua mãe rirem de sua traquinagem. Grande palhaço você era. E onde essa face branda de Deus estava? Discutindo o sexo dos anjos com Cristo, seu filho hippie e que se crucificou por essa humanidade hoje inexistente. Ou melhor, que nunca existiu. Jesus crucificou-se em favor de uma humanidade que nunca quis ceder à outra face em seu coração. E o que a nossa querida igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso faz? Ela fez com que aceitasse as dores de sua vida, Paulo. Você não esqueceu o seu passado. Nós sabemos que você fugiu dele. Você está me entendendo?
Antes de Paulo responder, ele levanta-se e tenta correr. Sant’anna grita e diz:
_É a sua escolha. Quando você sair correndo, algumas pessoas lá fora podem matá-lo com medo dos seus demônios. Cristo conseguiu sobreviver à tentação do demônio e não adotou as preces do amansamento da nação, fez essa marca do 666 sumir de sua cabeça. Jesus Cristo conseguiu, mas é uma pena pra ele. Até hoje a sua Bíblia não é bem interpretada e todos esses cristãos também servem ao nosso Deus com seus medos e mentiras para serem aceitos no reino dos céus. Eles não entendem a Bíblia de Cristo, são brandos como ovelhas e não respeitam o próximo, como Cristo realmente queria (Sant’anna diz isso sorrindo e feliz). Não se engane, José Paulo Arcanjo Javé! Você tem três escolhas, José Paulo Arcanjo Javé: pode sair correndo. É a sua primeira escolha. Preferir morrer pela humanidade como fez Cristo. A sua segunda escolha é sair correndo e torcer pra ficar vivo. Se isso acontecer, as suas visões nunca sararão e você morrerá de qualquer jeito: de medo, loucura ou pelas próprias mãos de seu ceifador. E você tem a sua terceira opção, que é a mais viável. Sente-se.
O já atordoado Paulo com suas visões e atormentações senta-se, mas bem longe do seu grande Presidente, que faz seu sermão de forma eloquente ao seu mais novo pupilo:
_Você pode escolher ir comigo para a nossa matriz. Vou te ensinar tudo que essa bíblia diz. Quando você começar a sentir o afago de nosso grande Deus, você vai esquecer esses conceitos de bem e mal. Essas visões não serão nada perto do seu poder. É simples, José Paulo Arcanjo Javé (já chegando perto de Paulo, Sant’anna continua), a gente faz com que as pessoas aceitem os males impostos em suas vidas, entreguem-se calejados às dores do dia a dia e amansem, oferecendo a sua caridade e perdão para todos e a tudo, para que os verdadeiros filhos da puta do mundo e alimentadores do nosso grande Deus, o da face direita, tomem conta e façam o que bem entenderem. Dessa forma, esses filhos da puta, os verdadeiros donos do mundo, alimentam o nosso Acolhedor, Misericordioso e Todo Poderoso Deus, nosso também criador, Satã, Satanás. Sim! A face direita de Deus que suplantou a face esquerda, cansada dos homens, suas crias. A face direita de Deus também é detentora dos direitos da nossa criação. Você acha que as preces, quando reais, hoje quase nunca são reais, servem de algo para melhorar o que no mundo? Esse Deus que vocês querem para alimentá-los de esperança e vida acabou-se há muito tempo. Esse Deus sobrevivia da humanidade. Hoje a humanidade só existe como palavra no dicionário. E se Deus, em sua sabedoria onipresente, não tivesse criado a sua outra face, a face direita, Ele já estaria morto e o mundo com certeza teria se acabado em chamas pelas mãos dos homens. A face esquerda de Deus está paralisada por causa de um AVC astral e divino. O verdadeiro Deus, o que ri no lado direito da face divina, o Deus que se alimenta da repugnância do mundo, o Deus que se alimenta do câncer e da carnificina quer que o mundo fique manso e apenas reze, peça, prece, queira, fique em suas casas, mansos, bons, afetuosos, cortezes, benfeitores, assistenciais, lindos, cheios de fé e medo em seus corações, como verdadeiras ovelhas, para que os verdadeiros féis, para quem a nossa igreja realmente trabalhe, possa vir glorificar e fortificar o nosso Deus-Acolhedor com discórdia, solidão, violência, incesto, corrupção social, corrupção assistencial, corrupção política, corrupção pessoal, inveja, psicopatia, ganância, pedofilia, calote, falta de respeito, preconceito, espancamento, estupro, estripações, sadismo, perversão, indiferença, sangue, ódio, guerras, bombas, dinheiro, petróleo, seca, fome, descaso, câmbio e bolsas de valores na ordem vigente social, executivos, morte...

...

Hoje é um dia histórico. O Sr Misericordioso Poderoso Presidente Acolhedor José Paulo Arcanjo Javé está inaugurando mais um dos templos de sua igreja Deus Acolhedor, Todo Poderoso e Misericordioso na cidade de Johanesburgo, na África do Sul. A igreja está comemorando uma marca histórica de 100.000.000 (cem milhões) de fiéis pelo mundo. Essa igreja que prega a igualdade na importância da fé e na união das religiões para a paz mundial. Agora, vamos ouvir o pronunciamento do nosso grande Presidente:
_Antes de tudo, gostaria de Agradecer ao nosso grande mestre e mentor dessa igreja, Senhor Lúcio Sant’anna. Ele que me mostrou os verdadeiros olhos de Deus e como o mundo precisa realmente de um verdadeiro representante fiel do nosso Todo Poderoso aqui na Terra...
Antes que ele continuasse, é ovacionado com palmas calorosas de diferentes políticos, estrelas, artistas, desconhecidos, fanáticos, diferentes religiosos e de religiões diferentes, todos com seus segredos e maldades de bolso, todos com Deuses amansadores. Palmas para ele. Palmas. Palmas. Palmas. Palmas! Vamos! Palmas para ele. Dentre as vozes e palmas, um sussurro quase mudo ecoa no oratório coletivo: amém.     









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A obra "afetos, abismos e engenharias" foi publicada como e-book em 2013. 



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