Lobo
Era uma vez, em uma rua onde as
casas eram mais vistosas, frondosas e com muros pintados coloridos e muito bem
projetados, protegidos por sensores eletrônicos, luzes iônicas e, algumas
das casas, até guarita, todas belas vistas...
Henrique caminhava em marcha lenta.
Sem sacrifício e pensativo, ao ponto que este narrador não saberia
descrever seus pensamentos. As luzes amareladas e brilhantes dos postes, todas
funcionando, tilintavam um início de madrugada tranquilo. O asfalto liso e
imposto sob a ordem e progresso, todo sinalizado, sinalizava que o poder
público ali abençoava e era uma mãe e pai. Na rua, pouco mais de três
casas adiante, depois da primeira do quarteirão, um cachorro
raivoso e de guarda vem correndo pelo quintal de sua “residência” e joga-se no
portão, com latidos ameaçadores. Henrique assustou-se, mas,
menos de três segundos depois, sorriu e continuou sua caminhada para casa. O
cachorro continuou latindo e rosnando, acompanhado de todos os outros cães que ouviram o
latido nervoso do primeiro latidor.
Henrique sentia muito sono, seu dia tinha sido pesado demais para se importar
com a neurose de donos refletidos em cães.
Antes de terminar o
quarteirão, com os ouvidos ainda sob a sinfonia de latidos e com sua mente em
prantos de cansaço, desejando desesperadamente a sua cama, Henrique ouviu um cão que não latia por trás
de um dos pomposos muros da rua, com certos quatro metros de altura e
alaranjado, com cercas elétricas e com uma luz que reluzia de dentro para fora,
sumindo ao tapete solar da madrugada. Ele ouviu um cão que chorava de
dor, miava de medo, e parecia correr desesperado pelo pátio da casa de muro
alaranjado que estava.
O cão corria, rasgava
as unhas e gemia, chorava de dor. Henrique, curioso, com seu coração penoso, encostou
sua orelha sobre os portões pretos, antes não descritos,
quando dito sobre a casa neste conto fatídico. Henrique, estando agora a vinte
centímetros da casa, põe seus ouvidos a trabalhar. Uma
respiração ofegante acompanhada de um gemer rangente e uma regência de dentes
inquietantes ele ouvia.
Inicialmente Henrique pensou ser
outro cão que estava atacando o cão-vítima, machucando-o e açoitando o pobre
que expelia grunhidos de dor. A sinfonia dos cães na rua,
cuidadosos com as casas de seus donos e entes queridos, não permitiu esse
desmembramento de sua dúvida. Mas, curioso como um homem comum, Henrique
encostou ainda mais seu ouvido no portão. Dessa vez,
sentiu na pele sensível de sua orelha o frio gélido da madrugada encruado no
ferro do portão.
Depois de alguns segundos
concentrando-se no que ouvia: só o cachorro chorava e corria pelo espaço onde estava.
Pela forma que corre e chora, sente muito medo. Ele interpretou. É impossível
imaginar o quanto o coração do cão acelerava. Mais
alguns segundos ouvindo colado com seu ouvido no portão alheio, e nada
de entender o porquê do sofrimento do cão. E nada de
entender o que era aquele gemer e ranger de dentes que lembrava outro cão, assassino e
sádico atrás virilmente da vítima.
_Seu cachorro desgraçado!
Henrique ouviu uma voz proferindo a
frase de forma varonil e, inquietamente, afastou-se do portão e seguiu seu
caminho. Pensou sobre o fato até chegar à sua casa. Depois tomando banho e
depois na cama, como aquela voz saiu cheia de raiva da boca de seja lá quem
fosse que machucava o cão daquele jeito. A voz saiu entre os
dentes, cheia de ódio. A voz saiu cheia de prazer orquestrada pela língua. A
voz saiu na mistura do ranger e respiração ofegante como
um grito mudo da garganta. Mas que se fez ouvir. A voz queria machucar aquele
pobre cãozinho. A voz.
Tanto vazia. Henrique dormia. Mas,
ainda assim, ele sonhou com a voz e sua vontade, nada maleável, de só proferir
maldade.
No outro dia, às oito da
manhã, seu despertador toca. Era a hora de cuidar de sua casa. Henrique
morava sozinho e já tinha 44 anos. Uma vez ficou noivo, mas foi trocado dois
dias antes de seu casamento pelo vizinho de sua noiva. Um homem quatro anos
mais novo que ele. Esse fato já tinha vinte anos. Depois desse acontecimento e
da morte de seus pais, Henrique, que já era filho único, ficou sozinho no
mundo.
Pela manhã era a casa que
lhe interessava. Às onze, depois de lavar o banheiro de seu quarto e lavar a sua sala,
que há tempos não recebia visitas, a não ser de cobradores que o visitavam
ou vendedores de consórcio funerário, ele começava a preparar
seu almoço e sua quentinha para o trabalho. No qual só entraria às quatro da
tarde. Depois de uma da tarde, quando já tinha almoçado e descansado
como todo bom trabalhador merece, assistia ao Jornal na TV e entrava na
internet. Conversava com alguns amigos e amigas virtuais. Participava de ações online que
faziam a diferença para todos e para o mundo. Como por exemplo: entrar em site que
reúne assinaturas virtuais para a preservação da Amazônia.
A cada assinatura digital, você
colabora com o instituto Viva Natureza e ainda é o responsável pelo plantio de
uma muda nos locais de desmatamento.
Henrique entrava também em outros
sites que o levavam a ter orgulho de si mesmo. Entre os sites, um era sobre a
proteção dos animais. Nesse dia, nesse site, ele viu um vídeo de um dono que
machucava seu cão com esporas de cavalo e cintos. Já eram pelo menos três horas da
tarde. Era a hora de fazer seu lanche e ir para o trabalho. Mas o vídeo fez com
que Henrique, que não tinha pensado ainda sobre o acontecido de ontem, lembrasse
fielmente todos os gemidos e pensamentos insanos sobre como aquele cachorro
estava apanhando e por que apanhava daquele jeito da “voz”. O vídeo, que ele há
pouco tinha visto na internet, fixou em sua mente como se tivesse sido gravado
naquele momento em que estava com sua orelha grudada no portão da casa onde o
cachorro era massacrado. Os gemidos e as corridas apavoradas pareciam ser muito
iguais. Pensou, enquanto preparava seu lanche que comeria e o que levaria para
o trabalho.
No banheiro, Henrique
também não parou de pensar no massacre que presenciou, mesmo que só ouvindo de
xereta por “trás da porta”.
_Esse vídeo me fez ficar
impressionado. Merda! – Disse a si, em voz baixa.
No banheiro, não conseguiu
concentrar-se em sua higiene diária. A qual ele mergulhava profundamente para
ficar asseado na intenção da secretária de seu chefe. Ela e
ele nunca haviam conversado, mas Henrique voava em sua imaginação com o tom da
voz da secretária falando para ele: Boa tarde. Todos os dias ela
cumprimentava-o quando ele chegava à empresa. A portaria era ao lado do
escritório do chefe, era lá que ela o cumprimentava.
Depois do banho, enquanto
comia seu lanche, sentiu náuseas imaginando o massacre que aquele pobre cão foi submetido
na noite anterior. Durante o caminho ao trabalho, também não parou de pensar
no cachorro: qual seu nome? Por que o dono foi tão violento? Como
ele realmente apanhou? Etc.
Bem perto do trabalho, avistou a rua
que “presenciou” o episódio que não saía de sua cabeça. Mesmo
contrariando parte da vontade de seu corpo, conseguiu seguir outro caminho até
chegar ao quarteirão onde ficava o seu trabalho. Henrique preferiu não ver a casa de
dia e seguiu outro caminho. Ele não queria mais problemas.
No trabalho, depois do
belo “Boa tarde” de Evanir, a secretária de seu patrão, chegou ao
setor onde obrava. Pegou sua farda, que ficava num armário com seu nome e
sobrenome, foi ao banheiro, vestiu a farda e foi à labuta.
Henrique não conseguiu
crescer na vida como seus pais haviam sonhado. Talvez Deus tenha traçado esse destino
para mim. Conformava-se, raciocinando, enquanto fazia seu trabalho na empresa.
Ele pegava das 16 horas à zero hora. Comia duas vezes: uma quentinha que
preparou no almoço e um lanche que preparou à tarde. Não trocava muitas
palavras com ninguém. Nesse dia, em especial, não trocou palavras
nem com seu amigo Júlio. Ambos com nomes de reis e imperadores. Henrique fez
seu trabalho nesse dia como um robô: suas mãos e seu corpo
guiavam-no nesse fazer costumeiro, mas sua cabeça não esquecia o “que
poderia ter acontecido com o cachorro”.
No fim desse dia, de
madrugada, Henrique seguiu seu caminho. E, como na tarde, evitou passar pela
rua onde estava a casa onde ouviu o massacre. Mas, no meio do caminho, mais
perto de sua casa do que da casa que seu pensamento não largava, não resistiu a
todos os desejos e vozes que imploravam para voltar à rua e ouvir o que estava
acontecendo realmente com o cachorro vítima da voz.
Ele voltou.
Na rua, muitos cachorros latiam para
ele. E, de frente à casa, orelha no ferro do portão, ferro do portão na orelha,
ele ouviu os mesmos barulhos de ranger de dentes e gemer com ódio e da pobre
vítima, o cão sofredor, correndo de seu agressor. Tentou olhar pelas frestas do
portão, mas nada dava para ver. Dentro daquela casa, existia outro tipo de
escuridão. Henrique sentiu uma dor no peito incalculável e chorou. Chorou de
forma muda e não teve coragem para intervir, batendo na casa daquele cidadão. Quem é o cão que faria isso
com um cachorro? Homens são cães, cachorros são humanos? –
perguntava-se em pensamentos.
No peito de Henrique, um buraco
negro de pena, e, em sua mente, muitos pensamentos de como é que aquilo
acontecia e ninguém fazia nada. Nenhum vizinho tomava providência.
_É. Nenhum vizinho
faz nada – disse a si, com a voz baixa e cabisbaixo, já distante cinco metros
do portão e usando de sua força interior para ir contra sua
provável coragem que poderia interferir naquilo. Mas, se nenhum vizinho
intervém, por que Henrique seria o homem para intervir? Nome de rei, atitude de
homem?
Henrique passou o outro
dia raciocinando e pensando sobre o que ele poderia fazer para ajudar o cão-vítima da situação.
Primeiro pensou em fazer uma denúncia
à sociedade protetora dos animais. E fez. Mas, duas outras noites, ele passou
pela rua e o show de horror continuava. Quem tem dinheiro pode mais? Pensava.
Depois, tentou conversar com seu amigo Júlio, mas dele ouviu que “meu coração agora só tem
uma causa que se chama Vanda”. Pensou em esquecer, mudar de caminho e fazer o
certo para não ficar no incerto. Ele não podia ter mais problemas nessa
vida. E, duas semanas mais tarde, insistentemente ainda procurando solução para o pobre cão, sem conseguir
desviar o caminho de sua ida para casa e sem conseguir desviar seus
pensamentos, que o faziam sofrer e o fizeram parar de comer e começar a dar bobeira
no trabalho, Henrique teve a coragem e bateu na casa do vizinho que tinha a
menor casa da rua.
_Talvez este seja mais humilde e não tenha dinheiro
como sentido para tudo – falava sozinho, enquanto tocava a companhia às três da
tarde.
Um senhor, já de idade, veio
atender.
_Sim, amigo, não quero
enciclopédias.
_Não vendo
enciclopédias. Acho que ninguém mais vende enciclopédias.
_O que você quer, então?
_Gostaria de falar de um assunto que
é de seu interesse e das pessoas de bem.
_Fale mais alto e pra fora. Parece
uma mulher recolhida quando fala.
_Desculpe, senhor.
Henrique afastou-se do portão e saiu
caminhando. O senhor fez cara de quem não entendeu nada,
falou algum palavrão e entrou para dentro da casa. Henrique já seguia de cabeça baixa, como uma
sina, para seu trabalho, quando outro vizinho o chamou.
_Ei, amigo, camarada!
_Comigo?
_Sim. Venha cá.
_Diga – disse Henrique, parado em
frente à casa do homem que havia chamado por ele.
_O que você queria com aquele homem?
_Estava tentando procurar alguém que
me ajudasse a combater um mal que tem nessa rua e me aflige todos os dias,
desde a primeira vez que ouvi.
_Mal? Como assim?
_Um dos seus vizinhos... – antes que
Henrique terminasse a fala, foi interrompido.
_Camarada, aqui ninguém se mete na
vida de ninguém. Para isso que servem os muros. Boa tarde – disse,
grosseiramente, batendo a porta.
E, em mais uns dias, Henrique
penou com a sua imaginação e todas as noites ouvindo o
massacre do cachorro pelo portão da casa. Ele esforçava-se para não passar pela rua
do cachorro torturado. Mas toda noite passava e ouvia. Henrique não sabia o que
fazer. Praticamente não comia. Esqueceu o prazer do “Boa
tarde” de sua amada platônica do trabalho. Pensava em
demitir-se e mudar de cidade. Quem sabe, de país. A dor da falta de coragem é
maior que a dor da coragem. E disso, nele criou-se a coragem.
Naquela madrugada, ele
ouviu desesperado todo o sofrimento do cachorro. Mas, perto das quatro da manhã, parou. Era o
momento que ele teria para poder fazer alguma coisa pelo seu “amigo” sofrido.
Enquanto a casa já estava há pelo menos 30 minutos sem os “gritos” de dor do
cachorro, Henrique preparou-se com uma corda que havia comprado na própria loja
em que trabalhava. Em uma dessas sessões de terror que
Henrique “presenciou”, ele percebeu que as cercas elétricas daquela casa não eram ligadas,
só serviam para intimidar possíveis invasores e ladrões. Então ele jogou a sua
corda. Depois de laçada e segura, escalou o muro como se executasse um milagre divino.
Cheio de orgulho de si e mais homem do que nunca, viu seu companheiro todo
ferido, lambendo suas feridas no canto mais claro da casa. O cachorro apenas
olhou para o invasor da casa. Henrique não perdeu tempo e
desceu pelo muro com a corda para dentro da casa. O cachorro, mesmo depois de
apanhar tanto, era fiel ao seu lar e ameaçou o invasor, mas
Henrique, perspicaz, levou para seu amigo um pedaço de carne e logo
o conquistou.
_Hoje, te livrarei de seu
sofrimento, amigo – em pé, de frente ao cão esfomeado,
dilacerando a carne, e todo machucado, ele disse, com as suas duas mãos sobre sua
cintura.
A primeira providência do
herói do canino foi cuidar das feridas do cachorro. E, com calma, fazer alguns
carinhos no bicho, fazendo-o dormir. Alguns minutos cochilando o sono dos
justos, o cachorro foi acordado por Henrique.
_Nego,
agora é a hora de eu te livrar disso tudo – Henrique falou, cheio de orgulho em
seus olhos e mostrando um tom nobre em sua atitude.
De sua mochila, Henrique pegou outra
carne para o dog. Que, por sinal, pulou de alegria quase falando
prosaicamente “obrigado, amigo”. Henrique viu nos olhos do animal o que ele
dizia. E, orgulhoso, seguiu seu plano até o fim.
Ela puxou de sua bolsa uma seringa
cheia, com um líquido branco, que era veneno para rato. Ele aplicou a seringa
na carne antes de dar a mesma ao animal. E, ainda antes, deu beijos e afagos no
bicho, dizendo ao seu ouvido: desculpa, amigo. Não tenho coragem
de fazer isso contra seu dono, mas ainda nos veremos e você vai latir de
agradecimentos para mim – disse, largando o cachorro, cheio de
lágrimas em seus olhos, deixando o cão ir até onde
estava a carne.
Depois de feito o ato de salvação, Henrique pegou
a coleira do amigo como lembrança e subiu pela corda.
Pela rua, quase amanhecendo,
Henrique seguiu brioso de si, sabendo que fez a coisa certa e libertou o
cachorro do que chamamos de vida e que para ele era lástima, expiação.
Para mim, isso é uma prisão. Nos céus
receberei em troca o que fiz por aqui. Dê a outra face à mão que te agride.
Agora que está desencarnado, e evoluído, deve estar se perguntando por que não te levei pela
corda para a minha casa. Amigo, você comigo só me traria mais desgraças e problemas
com meus vizinhos. Moro numa casa pequena e mal ganho para me alimentar. Sei
que fiz a coisa certa e peço ao senhor Jesus
Cristo que te receba bem. Jesus é caridoso com todos os animais e todos os
homens. Eu sou sua ovelha...
Henrique seguia para casa, pensando,
orando.
À noite, nesse
mesmo dia, depois de sair do trabalho, vinha livre de remorso, feliz com sua
missão cumprida, pela rua onde ouvia todas as noites o sofrimento de seu
companheiro já falecido. Enquanto todos os cachorros latiam por causa da presença de seus passos
cambaleantes, saltitantes, na rua, ele não ouvia mais nada
de dor, nem de pavor saindo pelos muros da casa de muros alaranjados. Seu riso
refez-se em uma alegoria carnavalesca e foi fluindo amor para sua casa, mesmo
com medo de ser descoberto.
_Eu não serei
descoberto – falou para si, quase dobrando o quarteirão, quando ouviu
um grito estridente e cheio de dor:
_LOBO!LOOOOOOBOOOOOO!
Henrique preferiu seguir, mas o
grito ia tão forte e tão certeiro em sua direção, como uma
vítima cretina que lhe oferece culpa e nada mais, que não passou
despercebido. A voz tinha uma dor descomunal. Tinha desespero e, quanto mais o
som da voz chegava perto dele, por dentro surgia uma vontade de voltar e ver de
onde vinha aquele gritante clamor cheio de medo, pavor e gritos desesperados
por Lobo.
Era na casa em que ele
tinha livrado o cachorro das dores diárias. Era talvez o dono da voz que gemia
de raiva, prazer e sadismo enquanto machucava seu próprio cachorro, o Lobo.
Você deveria ter pensado duas vezes antes de machucar seu cão daquela forma.
Pensou Henrique, encostado no portão da casa. Ele ficou ouvindo o
antigo dono gritar Lobo por pelo menos duas horas.
Henrique queria sair dali, queria
sorrir da dor do dono malfeitor, mas uma força maior
segurou-o. As dores do homem e seu arrependimento? O que fazia aquele homem
gritar comovia-o profundamente. Afinal, ele o machucava, mas o amava? Pensava
Henrique. Apesar do sentimento de vitória que carregava em seu coração sobre a situação, ele ali ficou,
até que os gritos cessaram. Henrique, enfim, conseguiu ir para casa descansar.
Os dias seguintes foram
ainda piores do que os dias em que sofreu com as dores noturnas do seu amigo
cachorro. Henrique parou de vez de comer e parou de ir ao trabalho. Trancava-se
em casa, mas não adiantava. Ou ele abria a sua porta e seguia para frente da casa
onde o homem gritava toda madrugada pelo seu cachorro Lobo, ou, se
intencionalmente tivesse jogado fora a chave da porta de sua casa, como fez uma
vez, arrombava a mesma para ir até a rua ouvir o homem gritar de dor e de
saudade pelo seu cão assassinado por Henrique. Assassinado? Não. Brigavam as
vozes de seus pensamentos.
O que fazer? Como sair
dessa situação? Em suas orações, Jesus não trazia as
respostas. Em seu coração, o medo e o desespero comandavam
cegando-o para as respostas. Henrique precisava de uma saída para esquecer essa
nova fixação em sua vida. Ela viria? Mas quando?
Já após quatro meses de sofrimento e
lástima, de culpa, ouvindo todas as madrugadas o dono do cão gritar de
saudade pela sua antiga cria, Henrique entrou em desespero e começou a quebrar os
móveis de sua casa. A esmurrar as paredes. A arranhar com a unha o chão, a quebrar os
quadros que eram de seus pais. Ele quebrou com as mãos os copos de
vidro de sua casa. Também gritava insanamente querendo esquecer o porquê de
tanta culpa e tanta fixação pelo grito do homem malfeitor do cão. De seu
pensamento, não saía a vontade e a obrigação, sim, obrigação, de ir até a
casa daquele cidadão resolver a situação da falta que ele sentia do seu
Lobo. E, em uma dessas raivas que o acometiam durante as suas tardes de
desempregado, pois de madrugada ele ia ouvir os gritos de saudade do dono do cão, Henrique
levantou o colchão de sua cama, a fim de jogá-lo pela janela do quarto, e viu
esquecida no chão a coleira de seu amigo cão, o Lobo, tanto
gritado por seu saudoso-algoz dono.
Depois de vinte minutos
olhando para aquela coleira, andando de um lado para o outro em seu quarto, ele
concluiu.
De madrugada, Henrique foi
caminhando até a casa onde aconteceram os fatos desta história. Henrique, de
frente à mesma, tocou a companhia da casa. O homem que gritava parou
repentinamente. Depois de alguns minutos, com tudo em silêncio, Henrique tocou
a campainha de novo, desta vez com mais ênfase, como se a coragem estivesse na
ponta de seus dedos. Ele ouviu passos. O dono do cachorro falecido e da casa
abriu a porta. Ele estava com o rosto vermelho de tanto chorar.
_Boa noite. Está muito tarde. Mas,
me diga, em que posso ajudá-lo?
Henrique nada disse, mostrou a
coleira do Lobo para seu dono e começou a chorar. O
homem, dono da casa, convidou-o para entrar.
_Desculpe, amigo. Não aguento mais
sentir a sua dor – já dentro da casa, disse Henrique, colocando a coleira do
Lobo em seu pescoço, abaixando-se, completando seu coração de coragem e
ficando de quatro como um cão humanizado.
Sem mais palavras, Henrique foi engatinhando
para o local onde tinha visto o cachorro quando desceu escalando o muro.
O dono do Lobo olhou calado a situação. Depois foi em
passos curtos e trancou a porta de casa, dando duas voltas na chave. Sorriu
como se agradecesse a Deus pelo presente e, como antes fazia, começou a gemer,
rangendo os dentes de raiva. Ele tirou seu cinto de couro e, em seguida,
enrolou-o em seu punho esquerdo, o mesmo lado que fica seu coração, cheio de
saudade do seu amado Lobo.
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