O herói do
Brasil
Entrando no cinema para acompanhar a sessão
de estreia do Filme “O amador que ama”, Filho Batista é cercado por jornalistas
e admiradores. Depois de setenta anos de carreira como ator, ele ainda atrai
atenção de todos por onde quer que vá. Algumas pessoas e críticos gostam de
falar que ele está em decadência e que a educação e a simpatia que ele tem só
acontecem na frente das câmeras.
Antes de adentrar a sala 4 do cinema, um dos
seus muitos fãs o aborda com um abraço caloroso. Filho Batista, como é de
costume, corresponde ao abraço. Em seu ouvido, o fã fala algumas palavras, só
para o grande artista ouvir:
_Você é um verme morto-vivo vomitado andando
torto, quase de quatro e em decadência. Quando você anda, vejo muito mais
esterco de diarreia do que talento...
Antes que seu fã, que o abraça com tanto
carinho e afago, terminasse a frase, Filho Batista o ataca, segurando em seu
pescoço com um grito que beira o ódio e com olhos inchados para fora. No meio
de flashes, curiosos, outros fãs e colegas de trabalho, Filho Batista quase
mata o Flores, o seu fã carinhoso.
Depois de separada a confusão, Filho Batista,
para se explicar, ainda exaltado, fala tudo o que Flores, seu carinhoso fã,
falou em seu ouvido. Os críticos viam na situação um velho aloprado, ranzinza,
em decadência e querendo ibope. Os fãs do Filho Batista não acreditaram em
Flores até o momento. E Flores, com um rosto de vítima, dizia que ainda amava o
seu grande ídolo, mesmo depois do ocorrido.
_Mas, Flores, o Batista disse que você o
xingou quando encostou em seu ouvido. O que você disse a ele?
_Não. Não o xinguei de jeito nenhum. O Filho
é meu grande ídolo, a grande inspiração que tive para poder ser alguém na vida.
Desde criança que admiro o Filho. E eu dizia exatamente isso a ele, quando
senti suas mãos em meu pescoço. Li uma vez que ele tem andado meio entediado
com a vida e a velhice, mas eu não quis acreditar. Ele é meu grande herói! Mas
eu sei, todos nós temos esse tipo de fraqueza humana. – ele diz, emocionado com
o encontro com seu ídolo e o ocorrido entre eles, mostrando que sabe falar
bonito, em pose para mais flashes e perguntas curiosas dos repórteres.
Na mesma semana, Flores foi convidado para um
programa que passa à tarde em uma das TVs nacionais. Entretenimento sobre a
vida dos outros, era o que esse programa prometia. Nesse dia, ele deu opiniões
criativas e populares, mostrou desenvoltura com o enquadramento e sorriu feito
um Augusto romano, além de fazer tal programa crescer três pontos no ibope
quando mencionou emocionado o seu amor por Filho Batista. Com isso, foi convidado
a voltar nesse mesmo programa pelo menos uma vez por semana. Para isso, ganhava
um bom cachê. Depois de algumas semanas, já tinha fãs de todas as classes,
raças e crédulos, e ainda convites para posar nu. Ele tem um dote insuperável,
prometia um colunista. Depois de um certo tempo de fama, Flores saiu do
vermelho que o acompanhava há um tempo. Depois de um ano, já participando
ativamente nesse programa, é convidado por outra emissora nacional para
participar de um programa que ia ao ar em todas as manhãs, de segunda a sábado.
Seu salário aumentou seis vezes, fora os “trocados” por fora. Formou-se em jornalismo.
Fez curso de dicção. Curso livre de teatro. Aprendeu a falar inglês. Fez uma
lipoaspiração. Retirou pés-de-galinha. Na época, muitos repórteres o bajularam
em suas revistas de fofoca e páginas da web.
Uma revista famosa de entretenimento social o
convidou para uma ilha onde lá estariam outras celebridades, astros, estrelas,
famosos, chiques, estilistas, empresários, intelectuais, músicos, políticos,
artistas, entre outras pessoas especiais da nossa sociedade. Na ilha, ele
revelou que adorava salmão com arroz à grega todos os domingos, bebendo vinho
do Porto. Revelou também que já tinha ficado com uma mulher que fazia a novela
do horário nobre da emissora concorrente, mas que não podia revelar quem era,
só dizer que essa pessoa adorava receber chocolate na boca. E ainda acrescentou
que “nunca faria filme pornô, é degradante”. Nesse mesmo ano, no mês 11,
começou a namorar a âncora do programa que trabalhava. O casamento deles foi
vendido à imprensa por quatro milhões de dólares e quem comprou foi um canal
concorrente da emissora atual de Flores. Isso fez com que ele e essa âncora
fossem demitidos e disso migrassem para a outra emissora concorrente, que era
maior, ou seja, uma oportunidade imperdível.
O casamento de Flores e da âncora do antigo
programa em que eles participavam foi assistido ao vivo por quase 70 milhões de
pessoas no Brasil, sem contar o ibope de fora do país. E ainda foi transmitido
pela internet e por outras TVs que compraram um pacote menor para transmissão.
Esse assunto, o casamento deles, lotou as capas de revista de entretenimento e
sites da internet por quase três meses, batendo um recorde de permanência na
mídia efêmera atual. Flores, nessa nova emissora, já chegou com seu talento
reconhecido de apresentador. Era bonito e ainda casado com a mais nova âncora
de um programa que pegava três horas por tarde em todos os sábados. Muita
cultura, entretenimento, culinária e música era o que o novo programa da esposa
de Flores prometia. Enquanto isso, Flores fazia pequenas participações em
programas de humor, telejornais e programas de entretenimento mais cultos da TV
por assinatura. No seu terceiro ano de contrato, com o salário mais uma vez
renovado, muitas vezes maior que seu primeiro cachê, foi convidado para
participar de uma novela no horário nobre. Uma participação especial. Ele, com
todo seu charme, conquistou os críticos com a sua atuação encenando um doido de
hospício que costumava andar nu pela cidade. Disso, dois anos depois, Flores
foi convidado para ser o galã de uma outra novela em horário nobre. Assim, ele
seguiu sua carreira fantástica e meteórica.
Certa época, Flores deu uma entrevista e
afirmou:
_Se não fosse meu grande ídolo, Filho
Batista, nada disso teria acontecido.
Depois de tanto tempo, uma afirmação como
essa se tornou graça e humor negro entre os seus críticos e fãs, que antes já
tinham sido fãs do Filho e agora evoluíram a fãs do Flores.
Depois de 12 anos de casados, sua esposa teve
uma parada cardíaca. Alguns críticos, mais maldosos, atribuíram a morte dela à
decepção que teve com o seu marido, pois "ele era uma farsa",
garantia a âncora em uma de suas entrevistas. Um desses repórteres críticos
garante que conversou com a esposa de Flores dois dias antes da morte e ela não
aparentava estar mal, e mais, “ela afirmou que Flores é uma mentira artística”.
Todos juntos choraram no enterro da esposa de
Flores. A comoção nacional apoia Flores, escreveu um colunista. Assim, lá e cá,
entretenimento. Assim, lá e cá, ídolos e fãs, salvando-se da realidade, na qual
caminham heróis, mas vivem mascarados.
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