Água
Mineral
Às nuvens carregadas de chuva de Teresina
Da cristalina água da chuva
A escura, turva, água dos
córregos
Começa no céu e termina no
sol
Eis onde está Teresina
Aqui, entre minha pele, o
ser, o estalo e o estado.
Na face do céu
Agora come um raio
Seguido dum trovão.
Em Teresina, janeiro,
fevereiro, carnaval
É inverno e não verão.
Mas, em minha cabeça, é
inferno
Já que desgraçados-espertos-cabelos caem
Crédulos de minha calvície.
Pode parecer que gosto dessa
queda geral
Mas é só uma desfaçatez e
fuga social
Que pratico socialmente
sorridente, bêbado e político
Não sou careca porque gosto
E sim por ofício divino e
genético.
Ambos reservaram-me esse
presente
Como uma espécie de aviso.
Um aviso que ainda não
compreendi
Mesmo espécime e metido.
Parece, às vezes, que ter fé
é uma saída
Outras vezes, tudo parece
mentira.
Independente do parecer
Vim à Teresina sem emprego e
sabendo o meu para que.
Entrei duas vezes na igreja
em quatro anos de estadia
E não me sinto culpado.
Parte puritana de Teresina
me culparia.
Quando cheguei à cidade de
provisório
Os incomodados me incomodaram
Só que passei a estar de
propósito.
Vivo aqui porque quero e
posso.
Aos incomodados, a saída.
Para mim, a entrada.
Faço rima, verso rimo,
porque hoje eu gosto gasto
Amanhã pode ser que eu
ignore esse fato
E, parado, vibrando no
todo-tudo, do mesmo local
Cano Buraco
Como um cômodo
Que fica a cuidar do espaço
em que está
Faço.
Eu posso.
Não poço.
Esse é o momento de uma voz
me dizer:
Você tem
que ser legal!
Mas tenho tanto de legal
quanto de anormal e amoral.
Incomodo belas, feras e eurecas
Barbudos, peludos, artistas,
amigos, inquilinos, sogros
E desconhecidos.
Por isso, ao poetizar, grito
Como um poeta brega
Não como um músico
teresinense
Canto, sem vergonha e sem
regra:
Minha
Teresina, eu a toco como ninguém faz!
E,
enquanto eu não queira, não a troco jamais.
Sim, Teresina.
Não Alagoinhas, cidade de
chuva divina
E fantasmas vívidos.
Estes versos poderiam ser
para New York City
Ou feito com a intenção de
agradar aos poetas, músicos
E ilustres figuras teresinenses
E suas propensas e
existenciais crises.
Mas não tenho esse talento
para escrever uma elegia
À grande maçã americana
Ou agradar aos grandes e
mais ilustres lustres das panelas
Teresinenses
contemporâneas.
Estes versos não são para
São Paulo, nem Rio, Picos Piripiri
Ou Timon.
Não são para os meus
vizinhos
E as mulheres mais belas do Mocambinho.
Nem para J. Henrique V.
Poeta mal agradecido e que
se diz meu amigo.
Com esforço acredito.
Não são a Ponte Metálica
Que já anda e desanda a
desabar.
Não são para São Salvador e
suas dores nostálgicas
Encruadas em mim.
Muito menos à Juazeiro da
Bahia, onde cresci
E meti a língua
A pica
Nas
mais belas vaginas
Que um adolescente merece.
Muito menos à Petrolina,
onde abri
De um dos meus desafetos, o
supercílio
Ação que, hoje em dia, não
mais pratico
E, por isso, os atuais
desafetos são muito mal agradecidos
E, por trás, comportam-se
como párias falidos.
São versos, exclusivamente,
pensados e redigidos a mim
E para a nuvem que aliviou o
calor desgraçado
E teresinense.
A eles, trago versos
espremidos para fora dos meus poros
Que rangeram em meus ouvidos
e doparam meu sangue
Com um elixir endiabrado e
lascivo
Permissivo à ordem dos
odores, sabores, desolados
E aos meus acalentados
extremos diários
Que minha pessoa impregnou
em quatro anos de Teresina.
Que, se fosse Teresa,
Teresinha, seria melhor
Com as mulheres me dou com
mais facilidade.
Nelas, de língua vou sem
erro e certeiro.
Já que não mulher, sim,
cidade
Teresina, escrevo-a como
poema
Quem não entendeu fica na
saudade.
Hoje venta com agilidade
Mas quase todos os dias, no
Mocambinho
Seja tarde, madrugada ou
cedo, sobra calor à vontade.
Aqui, Teresina, é cidade
onde uma nuvem
Sempre vale mais a pena que
certas amizades.
Eis a cidade onde escamo
minha pele
E meus pelos vagabundos
sobram e vão.
E, com capa e cueca, vou
vagar o mundo.
Vagar mundo.
Vagalume.
Iluminando escuridão.
Depois de, na cabeça do
mundo, cagar
Só de capa, pois sou
higiênico e usei a cueca de improviso
Vou herói, bem limpinho no
fundo
E Guto.
Vou também com a nuvem que
fica ao céu e não se esvai.
Porém, quando poeta,
dizem-me: sem classe e imundo.
Fodam-se, se me rotularam, fizeram-me
de vulto.
Aqui escrevo onde meu silêncio
diz versos sem métrica.
Dispo-me em linhas,
intrínseco como dor em seu cotovelo
Em palavras repetidas
Como uma forma hermética de
absolvição.
E, como vagabundo, ouço a
voz que sussurra em meu Ouvido
Vinda da boca de meu dúbio-diabo-escondido-deus-amigo
Sobre versos e litígios
assíduos
A voz diz: És poeta, escritor e vagabundo!
Com certeza, o maior
vagabundo de Teresina
E, neste livro, reafirmo em
litígio:
Sou o maior vagabundo de
Teresina!
Se você prefere os floreios aos
odores
Não serei seu poeta
favorito.
Nunca serei o escritor,
assinando
Na cabeceira de sua cama, o
livro.
Assim como não sou o seu
melhor amigo.
Não sou dos que torcem para
o sol teresinense
Não sou do contra, nem
bajulador
Gosto do calor, mas prefiro frio
e uva.
Sou um dos que pensa por
causa do sol teresinense.
Mesmo que ele derrube meus
últimos fios de cabelo
Assassino!
E que faça minha testa
inexata suar.
Brilhar.
Enrugar.
Blindar raios solares.
Não sou poeta de nenhum
lugar.
Sou o poeta de mim mesmo.
O meu guia espiritual
Regendo a minha vontade
embutida
De ser livre e lírios.
Aqui, não existe mais o
poeta dos primeiros
E antigos poemas.
O que se dizia “bom baiano”,
regionalista, artista. Piadista.
Como quase todos os
recitadores, são piadas e palhaços.
Celebridades a favor da
grande e ilustre Poesia.
Para a plateia que bate
palmas e que só lê poemas na TV.
Esse poeta, reflexo, foi-se
descendo a ladeira.
A bel prazer, entrego minha
gana antiga e pequena de ser
Ouvido
Aos comparsas que se
assumiram estrelas
E são imagens e espectros
quando fazem arte
Para os gerais
E por eles são comidos como objetos
televisivos
Atrativos.
A mim, quero apenas ser
absorvido quando culpado.
Já não sou mais o mesmo de
outros recitais.
Cansei de, em editais,
mostrar-me agudo
O obtuso.
Em Teresina, onde passo como
incompreendido
Ou maluco agressivo
Maníaco obsessivo
Preciso muito mais de frio
E de água
Do que de elogio.
Sou muito mais abuso e
abusado, absurdo
Aos que me veem desocupado.
E aos que nada enxergam,
favor olhar em minha testa
Que rei, erro, sou eu?
Sem harém e não refém
Sobrevivo bom, gordo, embriagado
Lombrado.
Curtindo a nuvem aliviando
meu calor
E merecedora deste poema.
Ela trouxe pingos e traz a
chuva.
Ao tempo que perco, peço e
não perco tempo quando nu
E, na varanda de minha casa
Pulo ao lado de meu cachorro
Pelado, excitado
Juntos, dançamos a chuva,
peludos
Sob o olhar alegre e
solidário de minha esposa
Protegida da água azul e
milagrosa
E com medo que raios me
fritem
E compreendendo minha
solitária lisérgica vida.
A mesma que Deus e o Diabo,
em comum acordo
Trouxeram para Teresina.
Pronto, feito.
Aqui estou com feitio e
muito bom grado.
E, em suas ruas, suas
línguas, suas coxas, seu silêncio Alheio
Seus sabores embutidos,
desembutidos, repelidos Escondidos
Frágeis e ordeiros
Em seus escondidos buracos peludos
Rosas e vistosos buracos,
cinzas e sombras.
Ou em seus senhores e seus
progênitos meninos
Mimados da mamãe.
Em sua madrugada
Nos pássaros que cantam pela
manhã
Na periferia onde acordo em
comum acordo
Em uma agradável matinal
manhã de sábado
Em suas poucas ladeiras
E muitos paralelepípedos
Em seus bons e educados
nativos
E suas máscaras e abrigos
No som de uma rede ninando o
sonho de alguém
Nas bananas envelhecidas
esperando serem comidas
Em seus rios que se tornam
um rio indo ao mar
Em seus prédios que enfeiam
o verde da cidade
Que está mais verde neste
inverno
Em suas belas e carentes
mulheres e filhas de família
Mestiças, brancas, negras,
putas, amigas, lindas
Gozadoras, dengosas e
mandonas Madonas
Que ainda não conheço
E que, pela minha mulher, esqueço
Em seus bares e em seus
bêbados
Em seus versos e seu leito
Pois não existe poder algum
que chegue a mim
Se não me chegam às palavras
Em ti, pouso, Teresina.
E amador
Repouso
Escaravelho.
Esse cara velho
Não é a melhor pessoa para
lhe escrever um poema
Mas, com prazer, ofereço-lhe
isto
Que acima está escrito.
Advindo de mim, poeta mal
quisto
E breve esquecido
Como Amaral, o não artista
Do bairro Água Mineral.
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