Criador e
criatura
Depois de degustar o almoço preparado por
ele, levou o prato, os talheres e o copo para a pia. Depois lavo isso. Pensou.
E foi direto para o quarto tirar aquele bom cochilo da tarde. À noite, voltou
até a cozinha para lavar a louça. Ao terminar, lembrou da panela em que foi
feita a comida. Ele a olha: depois a lavo – pensa, voltando para a sala, pra
assistir à TV. No outro dia, foi trabalhar bem cedo, almoçou na rua e quando
chegou em casa à noite, já era tarde demais. Não se lembrou da panela que havia
ficado suja. E, no outro dia, do mesmo jeito, saiu cedo demais, almoçou na rua,
à noite, chegou tarde e a panela novamente foi esquecida em cima do fogão. E,
em mais outro dia, acordou cedo, foi beber água. No relance de seu olhar, viu a
panela. “Esqueci-me da panela. Hoje à noite a lavo”. E, depois de um dia movimentado,
chegou em casa cansado e afim de dormir. Tomou banho, deitou-se. Sentiu sede,
foi até a cozinha e se lembrou da panela. Tenho que, pelo menos, jogar fora o
resto de comida dentro dela, e amanhã a lavarei. Pensando assim, foi até a
panela e a abriu. Um fungo formava-se. Algodão! Pensa, espantado, olhando para
o fungo. Se bem que, olhando bem, parece mesmo um algodão e, com esses pontos
verdes espalhados, está até uma imagem bonita, artística. Fechou a panela e,
pela sua mania de cultuar a arte, deixou como estava. Voltou para o quarto
satisfeito e foi dormir.
Depois de três semanas alimentando a sua
arte, jogando restos de comida, cinzeiros cheios, cuspes matinais e outros
detritos, e ainda cultuando a arte que o fungo formava, cada vez maior e
tomando conta da panela e do fogão com as partes do algodão. Chamou amigos para
ver.
_Você é louco, não está sentindo o cheiro? É
podre isso aqui. E seu fogão, vai ter que comprar outro!
_Está lindo, já tirou foto e registrou
filmando? Vamos botar na internet para que mais pessoas no mundo vejam essa
preciosidade da arte contemporânea.
_Foi exatamente o que fiz ontem. Filmei,
fotografei e botei na internet. E, quanto ao cheiro, só te digo uma coisa: é
tão lindo que o cheiro fica bom. Na verdade, até me acostumei. E o fogão é
pedaço da minha arte, também. O fogão nunca se perderá, pois ficará na
eternidade da história.
Uma bela noite, ele chega em casa. Como
sempre, cansado, mas feliz e orgulhoso com a escultura de arte contemporânea,
totalmente original. Ele tomou banhou e foi até a cozinha.
_Cadê a panela? Sabia que um dia iriam roubar
minha arte. Bando de invejosos! – ele começa a se indignar.
Volta até o quarto para pegar algum dinheiro,
a chave do carro e para ir até a polícia prestar queixa. Mas, antes que saísse
de casa, ouve um som na sua cozinha. Vai correndo até lá, achando que pegaria o
ladrão. Não há nada na cozinha, a não ser o fogão podre de sujo e pedaços do
algodão-fungo pelo chão.
_Filhos da puta! Ainda deixaram rastros.
Por trás dele, com o dobro de sua altura,
está um algodão esverdeado com a boca cheia de pedaços pontiagudos e verdes.
Ele, acostumado com o cheiro de seu dia a dia na cozinha, não percebe a
criatura.
Antes que fosse reconhecido por qualquer
órgão mundial pela sua arte conceitual e contemporânea, ele sumiu sem deixar
rastros. Ficaram alguns algodões fedorentos e que ninguém se importou.
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