sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

E andanças - poema inédito

E andanças


Eu tenho o pior carro
na garagem daqui do prédio.
Diga-se, como pior, o mais barato
e, acredito piamente, o mais antigo.
Eu tenho a maior barriga
dessa praia
dessa beira de areia.
Eu tenho o pior short de banho
desse chuveiro no canto.
O short está furado embaixo
e tem quase dez anos.
A praia está bem frequentada.
É hora de ir pra casa.
Eu tenho o sol
me levando para outro pranto
me lambendo como se eu fosse doce
me lembrando da palavra arrebol.
Eu tenho diversas expectativas
dirigindo, sorrindo, cantando
sou humano.
Eu tenho culpa de todos os erros
e comemoro muito pouco os acertos.
Eu tenho a fome do leão a sede da terra
eu tenho a preguiça o amparo
eu tenho a arma o rato
eu tenho a retórica o hiato
eu tenho o que posso, não poço
eu tenho o silêncio a qualquer momento
eu tenho a língua e seu gozo
eu tenho o aparato e o despreparo
eu tenho o calor e o horror
eu tenho a vontade e o medo
eu tenho o abraço e o espaço
eu tenho versos e descréditos
eu tenho a vida pela frente
ou a morte se fará presente?
Eu sou o maior chorão do quarteirão
e o maior solitário desse quarto.
E não há novelas no ar.
Há saudade de dançar um rock.
Há risos nas entrelinhas.
Há inventos e charadas.
Medos nas estradas
aromas nas almas
e nas bocas caladas.
Eu tenho a barba mais branca
sob esse teto e posse.
Eu tenho a careca
mais ingrata sob esse corpo.
E nesse verso
nesse dia
nesse estado
nesse hábito
nessa lua
nesse som
eu tenho a pior expectativa possível
para manobras e arranjos futuros.
Eu tenho otimismo e outros “ismos”
embutidos em meu umbigo.
E dessa janela
eu tenho a mais fácil das saídas
e a mais gostosa entrada.
E nesse vento
eu tenho o que me vem
e me ativa.
E dessas mulheres
eu não tenho mais nenhuma
pra enlaçar a prosa.
E desse jardim
o impróprio não é o ópio.
E por cima deste chão
eu tenho mais de cem quilos
incontáveis cílios
e imprecisão.
E de todas as coisas desnecessárias
prefiro sempre a maior delas.
E de todos os copos
eu prefiro os alcoólicos.
E de todos os tragos
eu sou a fumaça
e o estrago.
E em todos os perigos e os piores
eu visto, uso, sinto, cheiro, como, amo
rimo
entrego-me.
Estes são os melhores:
os que são e podem.
E de todas as importâncias
eu sou o que me importa
e andanças.
O resto pouco importa.
E de todos os maconheiros
eu não sou o maior
afinal, estou em Salvador
e aqui não falta erva
mar e calor.


GUTO SAMPAIO




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https://soundcloud.com/guto-sampaio-2/e-andancas-m4a





Mais Poesia - poema inédito

Mais Poesia


A felicidade dorme
com um punhal
debaixo da cama.

O conflito é o silêncio
duma madrugada
insone e quente.

Você é lembrança
no último trago
mas já foi melhor
que abraço.

Minha idade
pede mais poesia
mais sensibilidade
mais reciprocidade.



GUTO SAMPAIO



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