domingo, 20 de abril de 2014

Poema de meu amigo e poeta Joe Ferry

Minh’alma dilacerada
Meus olhos cheios d’água
Não respiro direito,
Não me entorto nem espreito nada...
Há uma faca em meu peito, mas não há de sangrar!
Coalha em mim toda ira e tristeza, enfim... 
Até pareço perecer em mim mesmo...
Como se não me tivesse ou não me fosse
A poesia é apenas o meu esconderijo,
Já que os heróis, aqueles rijos de outrora,
Só existem nos quadrinhos ou nos caminhos
do meu imaginar...
O que de bom eu faço, aquilo que é meu dom
é apenas me embriagar,
Não sou nada nem ninguém, nem Pessoa,
Sou um pária, estou aquém de tudo isso...
E é tão vulgar!
Não quero ser livre...
Alguém me prenda em um “eu” menos torpe ou covarde,
Mais amor, mais coragem...
Meu choro não vale nada, nenhuma lágrima exprime
A dor que, de tão dolorosa, nem sinto mais...
Deve ser a cachaça
ou quem sabe a fumaça...
Deve ser o meu “eu” se desfazendo de mim
Por vergonha ou o que o valha
Embriago-me outra vez
Pra que me esqueças de vez
Ou me faça esquecer!

////////////////////////

Joe Ferry é escritor, poeta, compositor, músico e boêmio profissional. 

https://www.facebook.com/joe.ferry.750


sábado, 19 de abril de 2014

poema da poeta Talita do Monte

Se tu fechas essa porta
Eu te sepulto
E nem o apocalipse
É capaz de te ressuscitar
Para o juízo final
Mas se me abres os braços
Te sacio num entrelaço
Próprio dos amantes
E antes que tudo termine
Tomemos o último cálice
Um único toque
O beijo sublime

Talita do Monte


///////////////////////////////



quarta-feira, 16 de abril de 2014

desvirtuando ameixas - poema inédito

desvirtuando ameixas

nada além de parado no tempo espero o trem amarelo que vem sol fervoroso
vermelho e verde sombra sob a rede minha alma deleita unindo ondas                                                                                                                 desvirtuando ameixas        
                                    confluindo silêncio                  nada além almeja 

originário e diverso também partilho ruídos trazidos com o vento
sonata dos objetos
sonata dos desejos inquilinos                    três ou quatro toques persuasivos
sonata dos dejetos                                      vagos acasos e momentos dedilhados

somos solos, tolos, lobos                           espaços desconstruídos
inteiros
restos      





terça-feira, 15 de abril de 2014

domingo, 13 de abril de 2014

A miséria come a cabeça - conto do livro 'Imagine alguém te olhando do escuro'

A miséria come a cabeça

Chico ficava em casa, muito magro e de fala devagar, preferia revistas pornôs e quadrinhos rasgados. Pedro, mais forte, mais alto, mais inteligente, queixava-se sempre ao seu irmão:
_Chico, todo dia é a mesma coisa. De madruga é essa frieira toda. O cigarro de palha acaba antes do vento parar. Tem uma hora da madrugada em que o vento para. Aí a gente dorme. Desperta com o galo Frei. Ainda está escuro e você, o protegido do papai, só porque ainda tem 11 anos, vai ver putaria e ler essas histórias babacas que não têm nem fim, a maioria tá rasgada. Disso, vou pra roça, labuto o dia todo. O pai me trata como um escravo. Às vezes, até me bate com pedaço de cipó. E ainda aquele filho da puta não deixa eu fumar meu cigarro de palha. Desgraçado. A mãe morreu e deixou a gente com essa alma penada. Isso só pode ser coisa do demônio, do cão. A miséria come a cabeça da gente, deixa todo mundo mais burro.
_Pedro, o pai ama a gente. – Chico, calmo, diz ao seu irmão.
Os dois dormem. A miséria come o quarto deles. Os pés de cada um foram limpos com água de sete dias, reaproveitada. Nessa seca, tem que comer até terra, se for preciso, para sobreviver. O pai de Chico e Pedro sempre repete isso. Na cozinha, sem geladeira, algumas batatas no chão (Machado está certo). Um forno à lenha, que em alguns lugares do mundo é chique, rústico, moderno. Na sala, dois pedaços de pau. Ferramentas para obrar na roça. Uma TV em preto e branco. Um jarro redondo com revistas e quadrinhos antigos. A porta dorme entreaberta, apesar do frio. O pai gosta de ouvir o vento. Dizia o Chico para o Pedro.
Outro dia, à noite, o pai dos meninos vinha com um quilo de lagarto, carne bovina, o ouro do mês para eles. Chico saiu correndo de felicidade e abraçou o pai. Pedro esbravejou: lá vem ele com a corrupção. Pedro adora essa palavra, ouvia muito na TV, sua maior paixão. Antes que o pai entrasse em casa, ele tropeça, cai e bate a cabeça no vaso de revistas.
_Chico, o que houve? – Pedro corre até a sala e vê seu pai no chão com a cabeça sangrando. Chico sai chorando, gritando socorro. Os vizinhos vieram acudir, trouxeram rezadeira, curandeiro, chegou até ambulância, mas só depois de quatro horas, e nada deu certo. O pai morreu.
No outro dia, Chico acordou e pegou a carne que havia guardado no meio do sal. O Pedro viu e tomou a carne dele.
_Chico, você quer comer a carne? Não podemos. É a herança que o papai deixou pra gente, uma herança e lembrança. Ele foi enterrado, mas essa carne ficará como legado do pai (outra palavra da TV e que ele sabe aplicar). Vamos fazer com ela o que vi outro dia na TV. Vamos pegar aquela garrafa, botar álcool dentro, e guardar a carne. Ela vai se conservar. Vi na TV.
_Tou com fome, Pedro, minha barriga tá doendo.
_Aguente a fome, vamos comer batatas.
_O pai não fazia isso, Pedro. Eu tou com fome. – Chico diz, já chorando pela tristeza e de fome.
_O pai era um filho da puta.
Chico, revoltado, parte para cima do Pedro, como um leão muito magro e morto de fome. Pedro esmurra sua cara e, quando Chico cai ao chão, Pedro chuta-o na barriga. Da boca de Chico sai sangue.
_A miséria tá comendo sua cabeça, Pedro. Seu desgraçado!
Chico sai correndo e some.
Na estrada, pediu esmola. Tentou não entrar, mas pela fome, chupou. Cedeu. Apanhou. Com 15 anos, já em São Paulo, começou a lavar louças e limpar banheiro. Com 17, voltou pras ruas, roubou, deu, chupou, pediu, chorou, implorou, desmaiou e, como um bom humano, também sorriu. Pensou em voltar para a sua terra, não foi. Mendigo, arranjou um emprego graças a uma ONG, que futuramente iria fechar por receber verba sem licitação do governo. Voltou a trabalhar limpando banheiros. Dessa vez, mais confiante, mais vivido, mais sábio, mais gordo, barbado e com vinte e um anos, decidiu voltar para buscar uma coisa que lembrava os seus bons tempos de infância, as revistas em quadrinhos sem os finais, pois estavam com as páginas rasgadas. Chico também queria ver seu irmão Pedro, contar a ele como a miséria dominou o mundo.
Era de madrugada, aquele frio não era mais aquele frio. Estava um pouco mais quente. A roça que ele morou naquela época estava menor. Viu que seus vizinhos eram outros donos que compraram as terras dos seus vizinhos, compraram parte da roça. Chico queria fazer uma surpresa para o irmão. Entrou na casa, que dormia com a porta entreaberta, viu suas revistas no mesmo lugar. Com um sorriso no rosto, foi pegá-las. Depois de abaixar, um pedaço de pau foi batido contra sua cabeça, com a força com que abatem um gado. Era seu irmão Pedro, que assim dito, não reconheceu seu irmão Chico, diferente e calejado pelos últimos dez anos, pois sua memória foi comida pela miséria esfomeada.           


/////////////////////


Para ler o livro online, clique no link abaixo: 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

As perguntas - Do 'O outro lado do olho'

As perguntas

Estou zonzo agora
Estou fora de órbita.
Sem conhecimento algum.
Cadê as respostas?
_Estão atrás das perguntas.
Correndo feito loucas.
Gritando feito loucas.

///////////////////////////////


Clique no link abaixo para ler o livro completo online:

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Tá na canção - poema inédito

Tá na canção

A lua é olho
a coruja voa nua
sonhando o olho da rua.

Silêncio falando é roxo
calado, é madrugada
e todos os sossegos se abraçam.

A lua te ver em faro
como nariz de cão raro
asso carne de sapato.

A lua é alho
consumo chão seco ou ensopado 
vai-se noutro dia atrás do pão!

Paz e amor tá na canção
esse poema tem fagulhas de fogo.  





/////////////

domingo, 6 de abril de 2014

Rio Parnaíba - conto do livro "Imagine alguém te olhando do escuro "

Rio Parnaíba

O rio Parnaíba segue. A corrente de água vai rápida. A poluição da cidade se faz sentida em plásticos. Mulheres levam e lavam roupas, meninos nus e meninas peladas correm pela beira do rio, eles riem. Adolescentes tecem olhares para adolescentes. Na ponta da beira do rio, surge dona Rita. 
Dona Rita tem 29 anos e mora na beira do rio Parnaíba. Ela tem cabelos lisos negros, olhos grandes arredondados, pernas grossas, canelas finas e raspadas, coxas douradas, rosto de inocência. Usa sandália de couro e tem cintura fina esculpida. Ela mora com o marido e dois filhos e é bem cuidadosa com a beleza.
De noite os vizinhos se chocam com o amor que vem do seu quarto. Por esse motivo, ela lava a roupa afastada das outras mulheres. E pelo fato de atrair todos os olhares de admiração e desejo, ela atrai inveja. Pro bem ou pro mal, prefere ficar distante das outras lavadeiras. Já insistiu em estar junto, mas elas a ignoram e a olham com desprezo.
Com um pouco de fome, vai Rita trabalhando como dona de casa, fazendo comida (quando tem), cuidando dos filhos, da limpeza da casa, ajudando o marido a catar lixo na rua, ajudando o marido a aguentar a realidade fadada da vida, contanto historinhas de fadas e duendes de outro mundo para os seus filhos, com o peso do olho dos outros nas costas, com o peso do olho dos outros na bunda, nas coxas, vai Rita com o peso das roupas na cabeça, com calos na mão, com a boca carnuda, com a vida torta como a sua assinatura. Lá vai lavar as roupas na beira do rio, mulher de fibra, mãe assídua, com jornada tripla. Multiplicada a outros fatores e motores presentes nela.
Além de viver abaixo da linha da pobreza, Rita, com a saia acima do joelho, até o meio de suas coxas, agacha-se e esfrega uma roupa noutra. “Lavar, lavar, lavar, pra cuidar da casa, da família...” – cantam as outras lavadeiras, longe de Rita. O sol brilha, uma brisa assovia a música. Hoje é quarta-feira. Hoje é dia de Rita. O rio segue e segue belo. Muito mato ao redor e, ao longe, o som das outras lavadeiras cantando. Um som estranho no meio do rio. “Oxe, diacho, o que foi isso?”. Rita pensa, espreita e volta ao seu ofício. As lavadeiras cantam, lavam. A brisa canta, uma sensação de paz domina o lugar, um passarinho passa voando, parecia fugir, mas voava lindamente. Uma flor desabrocha, bem ao lado de Rita, ela não percebe esse fato. Está distraída, concentrada, pensativa (pensando em coisas que eu nunca saberei), linda, com fome, cansada, preocupada com os filhos e com as criancinhas, que viu ontem na TV, morrendo de fome em algum país africano. Coxas douradas molhadas com a água do rio, muito sabão de coco, muita vontade de cortar o cabelo, vontade de estudar, vontade de viver. É Rita levando, lavando, sendo lavada...
Em frente à Rita, uma sombra se forma debaixo d’água. Quando ela percebe, e vai de olho na sombra, um homem branco e nu sai do rio com os braços abertos. Rita, assustada, tenta virar-se e correr, mas ele está perto demais e a puxa pelos pés.
Ela cai e bate a cabeça no chão. Debatendo-se, gritando, tenta levantar-se. O agressor, todo molhado, babando e com olhos vermelhos, agarra os cabelos e bate duas vezes o rosto dela no chão. Ela sangra e grita. O homem nu bate pela terceira vez a sua cabeça. Ela já não grita mais, chora. Ele a puxa pelo cabelo da nuca, puxa a vítima para dentro d’água. Antes de desaparecerem no rio, ela grita novamente, uma das lavadeiras ouve seus gritos e entoa o canto das outras lavadeiras para que o som fique mais alto. Rita afunda na água e desaparece. No rio Parnaíba, bolas de respiração flutuam e somem. Rita segue, o rio segue, a vida segue, e é levada, lavada, esquecida.  


///////////////////



Pra ler o livro online clique no link abaixo:


quarta-feira, 2 de abril de 2014

O poeta - do livro "O outro lado do olho"

O poeta

Sou o poeta falido
Mais que falido, não lido.
Felizmente lindo
E pelos olhos dela, comido.

////////////////////////////



Para ler o livro completo online, clique no link abaixo: 


terça-feira, 1 de abril de 2014