Não faço diferença para
os corpos sentados e vibrantes.
As mesas vizinhas são
mesas ocupadas.
Nelas, os sentimentos
não mentem
Mas as vestes enganam.
Nelas, vozes sem
sentido.
Não faço parte da
cerveja
Nem parte do espaço vago
do copo de cerveja.
Essas mãos, essas
digitais, esse suor, essa sujeira na ponta do dedo que segura a nota de cinquenta,
essas unhas, esses cheiros e os pelos descoloridos, loiros, esses risos e
peitos abertos a todos, esse espaço, papo, dente, bafo, cigarro graves e
gritos, expulsam-me.
Não me votam.
Eu peço: não me votem.
Não sou o político dos
boêmios.
Não sou o sonho dos que
dormem.
No momento, escolho uma
bebida que não seja cerveja
Que caiba em meu bolso
E que, principalmente, embriague-me.
No momento, se pudesse
escolher, escolheria amor e sorrisos para mim e para ela, mas longe, fora, além
do vago do copo.
Além dos flashes e
passarela desse bar
Que inunda minha noite.
Eles nunca me
escolheriam como seu político.
_Quero uma vodca barata,
a mais barata, com sal e limão.
O gato trilhava pelo muro e ele espreitava
com uma faca e a mangueira na mão. O gato avistou uma presa, ainda no muro. Com
seus olhos noturnos, preparou o bote. Ele, com a mangueira, jogou água. O gato,
distraído, caiu perto dele. A faca amolada só precisou de uma passada para
cortar as costelas do gato. Os miados foram tão altos, que alguns vizinhos saíram
de casa para ver o que era.
Uma vizinha diz:
_Mata logo o coitado.
_Primeiro: ele saiu correndo feito gatinha
coitada. Segundo: vai cicatrizar. Disso, terei outra chance de cortá-lo mais
corretamente. – ele, risonho, mas calmo, afirma. A vizinha não teve nenhuma
reação.
Ele se gabava sempre: já cortei rabo de
cachorro depois dele adulto. Arranquei olho de sapo. Fiz corte na pica de
vira-lata pra ficar parecendo língua de cobra. Arranquei asa de passarinho.
Afoguei alguns gatos que caíam na arapuca que aprontei aqui em casa. Eles
caíam, eu os pegava e os afogava. Quando via que estava perto de matá-los,
tirava da água, fazia um corte, sem precisão, em suas garras e os deixava ir,
cambaleando. Já cortei rabo de rato, olhos de rato, pelo, couro também. Não
acham que os ratos merecem? – perguntava sorrindo.
_Uma vez, um cachorro que eu estava capando
no momento em que ele cruzava com uma cadela, me mordeu. Arranquei duas patas e
os dentes de baixo de sua boca. Com a cadela, que ficou com a pica do cachorro
em seu cu, amarrei ela com uma força que a fez sangrar. A deixei sangrar até
estar perto de morrer. Aí eu confesso, senti um pouco de pena, então comprei
bombas de São João, aquelas de cem, muito fortes, e fiz a cadela explodir.
Tenho certeza que ela me agradeceu por esse ato.
Alguns vizinhos gostavam. Outros entendiam o
seu prazer. Outros o odiavam. Outros o achavam louco. E mais outros e tantos
outros achavam tudo isso normal e até poderiam fazer igual.
Uma noite em que ele assistia à TV em sua
sala, um gato, sem parte de seu pelo, adentra o local. Ele, de costas para a
porta e de frente para a TV, não vê. Entram quatro sapos. Dois sem uma das
patas. Outros dois com o corpo inchado, como se tivessem experimentado sal na
pele. Entram mais gatos, cada um com uma parte do corpo arrancada: patas,
olhos, dentes, pelo, pênis, orelha etc. Entram cachorros, todos mutilados e
silenciosos. Um desses cachorros, com o ânus ainda sangrando muito, como se
tivesse sido penetrado por um cabo de vassoura, parecia o líder. Alguns ratos,
que já esperavam os outros animais embaixo do sofá, contentes com o momento,
fizeram barulho, sons de riso. Apesar de estarem mutilados, eles ainda riam.
Ele se levantou.
_Esse som é de rato!
Quando olhou para trás, viu uma “multidão” de
animais em sua sala: gatos, cachorros, ratos, pássaros, tartarugas, lagartos,
etc. Antes que tivesse tempo para falar ou fazer alguma coisa...
A porta de sua casa foi fechada por duas
tartarugas. Uma sem o casco, outra sem um pedaço do pescoço e menos uma pata.
As janelas foram fechadas pelos pássaros. Muitos depenados e outros mutilados.
E depois dessa noite, nunca mais se ouviu falar dele, nem de suas histórias.
Nessa história, o personagem principal descobre-se em
uma insana mudança de hábito, trocando o doce aroma das “maçãs” por uma súbita
admiração pelos odores mais putrefatos que conhecemos.
Nesse trecho abaixo, o
personagem principal recebe uma visita, que ele já esperava, e se joga em uma experiência
única, que talvez o leve a acordar dessa sua nova realidade.
“
Dim... dom... Alguém toca a campainha. Era nove da noite. Se não é a
Mary, quem pode ser? – ele pergunta-se. Sem pestanejar, atendeu nu e daquele
jeito. Uma merda humana satisfeita e iluminada. Eram quatro lixeiros e o mesmo
caminhão de lixo que tinha visto no fim da tarde.
_É a sua vez de
entrar no caminhão. Você merece – disse um dos lixeiros, o mais gordo, parecia
o motorista, olhando firme em seus olhos. Ele nada diz, apenas sorri como um
urubu deslumbrado em frente a uma carniça fresca. Nu, ele vai pela rua até o
caminhão. Alguns vizinhos estavam na porta de casa e olhavam com olhares de
reprovação. Ao passar pela casa do vizinho mais hipócrita e filho da puta da
rua, segundo ele, parou e forçou mais uma cagada. Ele fez a cena gritando o
nome do filho da puta:
_Paulo Emílio!
Paulo Emílio! Venha ver o meu cu cagador.
Depois do ato,
saiu desfilando como se estivesse chegando às portas do paraíso ao lado de Gisele.
O gordo foi para a cabine. Os outros três passaram correndo pela rua e catando
os lixos mais chiques da cidade. Não
precisou de que ninguém lhe ajudasse, jogou-se na boleia onde o lixo era
processado. Era realmente o homem mais feliz do mundo. Que sensação é essa em meu
coração? Perguntou-se em pensamento, com uma emoção nada discreta e espetacular
nas batidas do seu coração. O caminhão deu a partida e os lixeiros vieram
correndo atrás, jogando as sacas de lixo em cima dele. Ele abria os sacos e
deliciava-se. Dessa vez, não teve pudor algum, comeu tudo que via pela frente.
Era muito saboroso. Ele lambia-se e tinha gana nos olhos. Sorria tão feliz que
faria o palhaço mais triste do mundo sorrir. Chorava de tanta felicidade.
Qualquer pessoa que o visse naquele estado pularia para a boleia, para curtir
essa “fortuna esplendorosa” e de grande extravagância. Os seus vizinhos,
pessoas de suma importância para o mundo, balançavam a cabeça negativamente
como bons cidadãos. Mas os lixeiros pularam em cima do caminhão e equilibraram-se.
Ali ficaram fitando-o sem reprovar a atitude daquele cidadão contemplado.
_A gente poderia
dizer que você é um marginal, escroto. Mas a gente entende bem de lixo e porcaria
– disse um dos lixeiros para o felizardo.
_Cara, não me
entenda mal. Mas você é um cara bem apessoado. Bonito. Por que é lixeiro? – com
um sorriso avassalador, com muitos fiapos de lixo e restos entre seus dentes,
ele pergunta.
_Você ainda não
compreendeu que as pessoas bonitas são as que mais produzem lixo... – respondeu,
afirmando com olhos de catador. Os outros dois lixeiros observavam calados.
Enquanto ele, numa aspiração, estava deitado sobre o lixo, quase mergulhado,
como se estivesse em um lago transparente de água doce. Comia alguns dos restos
podres das comidas que ali estavam, não só as comidas, mas pedaços de plásticos
temperados com odores inimagináveis, papéis higiênicos que já serviram aos cus
mais secretos e bem nascidos, guardanapos que já limparam as bocas mais ricas,
belas, importantes e corruptas desse mundo. Restos de esmaltes. Óleo velho.
Comidas estragadas. Comidas esquecidas e estragadas. Roupas rasgadas e sujas.
Camisinhas usadas. Pedaços de papéis com as mais escrotas confissões. Dois
dedos, um feminino e um masculino. Pedaços de papel queimado, que antes já
tiveram grandes composições. Pedaços de papel com catarro embrulhado. Cinzas.
Merdas de cachorro. Merdas de gato. Merda de gente. Vômitos alcoólicos. Vômitos
cancerígenos. Vômitos bulímicos. Chorume. Chorume. Chorume. Não faltava o
líquido do lixo. Etc. O caminhão começou a processar o lixo, ele não se tocou e
continuou a sua pujança sobre o quitute divino. Os lixeiros olhavam a cena e
sorriam de canto de boca, eles olhavam como se ele estivesse em seu caixão,
sendo velado. Mas ele não estava nem aí. Sorria olhando de volta para os
lixeiros, sorria com tanto prazer que sua boca alongava-se parecendo um desenho
de charge. E ele chamava-lhes:
_Venham! Tem
espaço. Vamos comer do bom e do melhor. Sei que vocês entendem bem o que estou
sentindo.
Os lixeiros
caíram na gargalhada. Existia uma satisfação entre eles: ele, por estar envolto
de um néctar mágico, e os lixeiros, por aguardarem com ansiedade que o caminhão
processasse todo aquele lixo. Contudo, ele sentiu em seu pé um aperto. Era o
processador puxando-o para o fim, como se fosse uma boca de algum carnívoro e
de mesmo gosto que o dele. O aperto aumentou e puxou a sua canela. Nesse
momento, o seu pé estava estraçalhado. Ele flutuava entre dor, pânico e prazer.
O processador puxou suas pernas por inteiro. Depois seu tronco. Com seus
braços, ele ainda puxava seu manjar para a boca, pulverizando-os. No momento em
que ele estava quase todo triturado, processado e completamente entregue ao
prazer pela chuva do líquido que se fazia no processamento dos lixos e que
derramava em sua cara (o chorume), um efeito vibrante de amor puro, exclusivo,
celebre e divino explodia em seu cérebro. Os lixeiros, que não paravam de
olhá-lo, sorriam de forma histérica com a cena, como se ele fosse comediante de
Stand Up fazendo graça na boleia.
”
O que será que acontece com o felizardo cheio de prazer?
Tassiano Simões //////////// Tassiano Simões, poeta russo radicado na Bahia. Ele, há 31 anos, é morador da bela Barra do Itariri. Começou a escrever há apenas sete anos. E com os seus 56 anos de idade está reunindo poemas para publicar o primeiro livro.
Essa banda eu vi começando. E já recitei algumas vezes no palco em que eles se apresentavam.
E um dos melhores recitais que fiz em minha vida, no Pelourinho, na Praça Tereza Batista, foi a convite da banda.
Aqui só tenho a dizer o quanto me sinto orgulhoso por também fazer parte da história da Pirigulino Babilake.
Assim como, sem dúvida alguma, eles fizeram parte de minha história como poeta.
Meus sentimentos são de orgulho, gratidão e paixão pelo som deles...
Veja abaixo uma entrevista que fiz com Pietro, o Cantor da banda:
Pietro,
vamos começar falando da banda Pirigulino Babilake,
Me
conte um pouco da história da banda, como e quando ela surgiu?
A
banda é composta por amigos de muitos anos. Nos conhecemos há quase 20 anos. A
afinidade pessoal veio antes da habilidade com instrumentos. Fazemos questão de
estar entre amigos. Na formação inicial éramos apenas 4: eu (Pietro Leal), Gugu
Pinto, Guto Miranda e Ronie Menezes. Era só voz, violão e percussão. Com o
tempo Ronie saiu e fomos agregando mais instrumentos e mais amigos foram
chamados pra participar. A banda hoje tem como formação eu (Pietro Leal) voz e
violão; Guto Miranda na guitarra; Gugu Pinto na percussão e voz; Davi Brandão
na guitarra; Rafael Menduyn na bateria e Tomaz Loureiro no contrabaixo.
E
o que foi produzido até hoje nesse período de história de vocês? E como ela
está inserida no cenário musical atual?
As
músicas e poesias foram surgindo junto com a vivencia e o amadurecimento do
grupo. Surgem de inspirações vivas, sentimentos reais. Enquanto o mundo da
música vinha caminhando numa velocidade cada vez maior, com EPs, singles, etc.,
nós passamos quase dois anos gravando e, em 2010, lançamos o albúm Rosa Fubá
com 19 faixas. O nome veio de uma expressão que criamos numa brincadeira no
início da banda e que servia pra definir o som que fazíamos. Rosa Fubá, além de
trazer a essência nordestina, traz a sigla de algum dos ritmos que trabalhamos:
rock, samba, funk e baião.
E
esse nome “Pirigulino Babilake”, significa o que? De onde veio?
Precisávamos
de um nome que representasse não só a nossa sonoridade, mas também a forte
influência da cultura nordestina no nosso trabalho. Nessa busca, descobri
através de um colega de trabalho que me chamou pelo bendito nome: "Fala
Pirigulino". A principio, não entendi, mas achei engraçado. Logo depois
ele repetiu, já com o sobrenome e cartão de visita: "Pirigulino Babilake,
o cara do Farol". Perguntei a ele de onde ele tinha tirado aquilo e ele me
apresentou uma coletânea de Rock'n Roll 'made in Bahia' dos anos 90, onde havia
uma música com esse nome. A música foi gravada pela banda Inkoma, na época
liderada por Pitty. Mas o que havia chamado mesmo atenção era a sonoridade que,
além de divertida, trazia algo de nordestino no nome, que mesclava algo como
'pirilampo' (como é chamado o vaga-lume no sertão) e Virgulino, nome do
cangaceiro Lampião. Já era mais que o suficiente.
Que
relevância a banda Pirigulino Babilake traz para o cenário musical atual?
A
Pirigulino vem de uma geração mais híbrida da música baiana.Admiramos nomes como Ronei Jorge,
Marcia Castro, Lucas Santana, Scambo, além das novas que surgiram com a gente
como a Maglore, Quarteto de cinco, Velotroz e Suinga. Me empolga saber que
fazemos parte dessa geração.
O
último trabalho de vocês, Rosa Fubá, sentir uma musicalidade bem nordestina,
baiana, com mistura de rock e groove, estou certo? Que mais influencias vocês
procuram incrementar no som da banda?
A
Pirigulino vem de uma geração mais híbrida da música baiana. Apesar de termos
surgido no mercado alternativo, não somos uma banda de rock ou reggae. Tocamos
e cantamos o que nos é confortável. Acho que nossa música carrega a essência de
tudo que se produziu na Bahia nas últimas décadas, sem amarras nem estilos
pré-definidos. Nossas influências são as mais variadas e tem como base tudo que
escutamos em casa através de nossos pais.
Como
foi ter a participação do Galvão, compositor dos novos Baianos, nesse Álbum?
Foi
a mais clara expressão da 'lei natural dos encontros'. Pouco depois de
batizarmos a banda, um cidadão me disse: "Pirigulino Babilake é o Galvão
dos Novos Baianos?" Fiquei encucado com a revelação. A música Pirigulino
Babilake foi feita por um 'hippie' nos anos 80 onde ele caricaturava a figura
de Galvão. Logo depois, descobri que entre Galvão e nós havia uma amiga em
comum, a também cantora Sol. Ela nos levou ao encontro dele e daí em diante foi
um banho de histórias e inspirações. O contato foi se estreitando e aos poucos
o parceiro de prosa foi se tornando um amigo de poesia. Foi quando numa
madrugada recebi um telefonema dele. Me disse que havia feito uma letra pra
Pirigulino e queria eu musicasse. Alí mesmo ele começou a recitar. Era mais que
uma poesia; era um desabafo sobre a realidade do atual mercado cultural e
fonográfico. O resultado foi fantástico. Hoje somos parceiros de tantas outras
canções.
Como
é o processo de criação musical de vocês?
E
as letras, que são bem poéticas, como elas surgem para a banda até se tornarem
uma musica?
Algumas
canções já vem pronta, com letra e melodia. Outras vezes escrevo as poesias e
apresento ao grupo. Não há um processo determinado, mas quando o grupo abraça a
canção, ela ganha um pouco de cada um do grupo. Temos um cuidado grande em
deixar que a canção nos diga qual o caminho. Como não somos uma banda de um
estilo específico, nos deixamos levar pela essência da poesia, seja um rock ou
uma bossa nova.
E
a “Tiltcam Pirigulino”, como surgiu essa ideia? Onde os leitores do blog podem
assistir aos programas?
A
TiltCam foi uma sacada surgida entre tantas ferramentas desse mundo digital. A
possibilidade de nos apresentar ao vivo para todo o mundo (sim ela é assistida
até no Japão) nos deixou empolgados. Após dois anos nos apresentando quase
todas as segundas-feiras, estamos passando por um momento de estudo dessa
ferramenta. Quem quiser assistir as edições antigas podem acessar através do
endereçowww.pirigulinobabilake.com.br/tiltcam Um Tiltcam do Pirigulino bem legal: