sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Pelos caminhos Tortos - poema de Tassiano Simões

Pelos caminhos tortos
A Einar Simões



Minha vó Tita
com sua forma contaminadora e dócil
Ensinava-me, quando eu era
uma criancinha inocente
traduzindo para mim sua sabedoria
em forma de carinho
o melhor caminho até Deus.
E, depurado de minha interpretação deturpada, fui-me pelos caminhos tortos
estreitos, com expiação e espinhos.

“Assim que teria de ser”

Se ela estivesse aqui
me diria
no seu jeito meigo e de vó
que só ela tinha.

Assim, conheci Deus.

Não lembro de ter chorado no meu batizado
mas as fotos comprovam que o gosto azedo da água beatificada fez cair de mim lágrimas salgadas.
O pranto corrosivo explodiu
em minha face de bebê.
Por a gente começar a vida
sem ter escolhas, que a ideia de destino
é tão forte no dia a dia.
E isso é um acaso destinado a todos.
Com doze anos, fiz comunhão participei do coral da igreja.
E neste ano estava mais interessado no noventa por cento das meninas, que como notas e arranjos musicais, compunham a turma com cheiros, graças e vida
Do que nos dez por cento de meninos
Que queriam ser salvos pelo Cristo desfalecido.
Eu queria encontrar a salvação em uma daquelas saias
Mas não na saia do padre.
Ou encontrar a entrada da beirada de suas calcinhas
E depois cutucar suas belas xaninhas
E ao fim, cheirar meus dedos
E nesse aroma das vaginas virgens
E, ou saidinhas da paróquia
Encontrar sem medo, Deus.
Na confissão
Tive a coragem de dizer que desejava a minha vizinha
E que imaginava ela em meu quarto, enquanto eu
Com maldade, a fodia.
O padre me mandou rezar um pai nosso e uma ave-maria.
Assim, seria perdoado e entraria no reino dos céus para ficar perto dos anjos
mais célebres e loiros cândidos.
Se continuasse retornando a igreja todos os domingos
talvez encontrasse até o Cristo
que salvaria todos os ajoelhados na igreja calorenta do bairro Piranga de Juazeiro, Bahia.

Acredito que com treze anos até aos dezoito, apesar de toda doutrinação familiar
tornei-me ateu.
Deus morreu.
E como todo ateu
acreditando no nada e em mim
mas acreditando, não deixei de prosseguir meus estudos esotéricos e cabalísticos.
Mesmo sem saber o que significava isso e onde a curiosidade me levaria.
Me sentindo como um pedaço de poeira encostado no vago vazio do nada
sem perceber o mistério divino
que ali habitava, experimentava Deus, sem perceber que criar poemas e amar pertencia a algo divino.
Todos os dias, chegava perto de Deus
Pois escrevia dois, três poemas rotineiramente e tinha o amor em meu peito como uma febre e regra.
E, pelos caminhos rotos e tortos, não exatamente como minha avó quis me ensinar
até Deus cheguei. Ou melhor
a todo tempo Deus em mim estava: foi me masturbando e gozando pela primeira vez em um dos banheiros, na casa de minha avó
ainda viva, nesta época, na velha cidade cinza, do recôncavo baiano, em plena Mata Atlântica, Alagoinhas. E foi jogando bola e fazendo gol nas ruas de paralelepípedos na minha infância.
Subindo nos pés de manga
De jambo
De caju de jaca

Subindo em pés que não lembro
de que fruta era para espiar alguma vizinha tomando banho nua, cabeluda e sozinha, se ensaboando para cuidar de sua pele que seria beijada por algum sortudo.
E foi perdendo a minha virgindade com onze anos com minha vizinha, não a vizinha que meus olhos vigiavam, voyeur, mas a minha amiguinha de infância, que com o passar dos dias e do amadurecimento de nossa amizade infanto-juvenil, ela tornou-se, muito naturalmente, chupadora de minha rolinha.
E foi lendo Carlos Drummond de Andrade
Manuel Bandeira
Gullar Oswald Moraes
lendo paisagens.
E outros tantos que me enchem de saudades.
Lendo o Profeta do amor:
Gibran Kahlil Gibran.
Indicado pelo meu pai, Kinho.
Também inspirando-me nos versos de
Lao-Tzu, de seu livro “O livro do sentido e da vida”.
Que eu percebi Deus estando
SOBRE incluso em mim.
Foi também enquanto chupava lambia como um cachorro sedento uma buceta-xereca-vagina
já mais adolescente e mais esperto
sabendo que movimentos fazer com a língua
e com a cintura no maravilhar do entra e sai.
Percebi-O lambendo sintéticos
inalando ervas, bebendo raízes e folhas.
Percebi Deus na chapada diamantina, perdido na mata, por falta de paciência
e excesso de juventude.
Percebi Deus na guitarra de David Gilmour do Pink Floyd.
Percebi Deus no doce da pinha que minha avó um dia de tarde, em tardes que só em Alagoinhas é capaz de produzir, me deu.
Percebi Deus quando sobrevivi a um atropelamento, quando ainda tinha cinco anos, ou quatro?
Sei que fui salvo pela bolsa revestida de papelão que usava no momento da agressão
do veículo dirigido pelo homem
que não lembro a cara, muito menos o nome.
Percebi Deus quando sairmos vivos depois do capotamento da caminhonete 4x4 em que estávamos juntos
voltando de Fortaleza, Ceará.
Eu, meu pai, César, minha doce mãe, Cristina, Meu irmão, Tinho
Betinha, a babá de Cesinha, meu outro irmão amado.
Deus estava sentado no sol
Nos olhando, fumando um cachimbo e, ao mesmo tempo, um cigarro.
Percebi Deus quando minha mulher sobreviveu ao acidente de carro causado por um desalmado e irresponsável, que avançou o sinal vermelho, e como tantos outros, proliferou o 666 em sua testa sem ter medo de estragar a vida alheia e não pensou que poderia ter recebido de mim o que há de pior da minha marca de 666, caso ele tivesse causado um mau maior a minha mulher.
Percebi Deus quando, duas vezes, tive uma  arma apontada para a minha cabeça
e uma vez sentir o cano frio de uma dessas armas em minha boca.
Ambas às vezes apontadas
por Policiais Militares.
E todas às vezes o gatilho ficou no zero
numeral que parece vazio por dentro
mas tem o tudo por fora e o segredo do vazio preenchido por dentro.
Percebi Deus quando amei pela primeira vez
ainda florindo adolescência
e quando amei pela segunda vez
já confluindo e indo.
Percebi Deus todas as vezes que olhei nos olhos de alguma linda menina, ou mulher
e me encontrei febrilmente apaixonado.
Percebi Deus quando descobrir a fragrância da nuca que toda noite cheiro, satisfeito e calado.
Percebo Deus quando ouço música e quando tudo está silencioso.
Percebo Deus no olhar de meu cachorro, sincero e de abrigo.
Percebo Deus no verde de minhas plantas, assíduos.
Percebo-O ouvindo música e dançando sozinho, intrínseco.
Percebo Deus tomando banhos e me aliviando do calor teresinense de mais de quarenta graus, altivo.     
Percebo Deus quando consigo escrever poemas aliviantes
libertadores e dissonantes.
Quando termino minhas histórias torturantes e libertadoras de explosões de independência.
Quando consigo sorrir e chorar ao mesmo tempo.
Percebo Deus quando paro de me perguntar e aceito a minha ignorância.
E quando aceito que explicá-Lo é uma loucura desmedida.

Está aqui
Sem precisar que eu faça ou explique.
Você é Deus.
Somos Deus.
Seja por dentro e por fora, ao meu redor
Onisciente. Onipresente. Zero.
Total. 
Somos.
E hoje, me concentro na presença e no poder do Sentir.
Saber não é nada sem Sentir.
Deus não tem nome.
Você precisa senti-lo e não chamá-lo.
Você olha para o mundo e vê todas as formas e formatos
Mas se você não Sentir cada um deste tipo, natureza, coisa, ser e originalidade
Como uma presença única e inédita
Não perceberá a essência de Deus. 

Percebo Deus, inclusive na minha ignorância
De querer percebe-lo
Sem a real necessidade.


Do e-book "O Livro das Iluminações" - publicado em dezembro de 2013