segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Água Mineral - poema do livro 'Desigual' sobre a cidade de Teresina, Piauí

Água Mineral
Às nuvens carregadas de chuva de Teresina

Da cristalina água da chuva
A escura, turva, água dos córregos
Começa no céu e termina no sol
Eis onde está Teresina
Aqui, entre minha pele, o ser, o estalo e o estado.

Na face do céu
Agora come um raio
Seguido dum trovão.
Em Teresina, janeiro, fevereiro, carnaval
É inverno e não verão.
Mas, em minha cabeça, é inferno
Já que desgraçados-espertos-cabelos caem
Crédulos de minha calvície.
Pode parecer que gosto dessa queda geral
Mas é só uma desfaçatez e fuga social
Que pratico socialmente sorridente, bêbado e político
Não sou careca porque gosto
E sim por ofício divino e genético.
Ambos reservaram-me esse presente
Como uma espécie de aviso.
Um aviso que ainda não compreendi
Mesmo espécime e metido.
Parece, às vezes, que ter fé é uma saída
Outras vezes, tudo parece mentira. 
Independente do parecer
Vim à Teresina sem emprego e sabendo o meu para que.
Entrei duas vezes na igreja em quatro anos de estadia
E não me sinto culpado.
Parte puritana de Teresina me culparia.
Quando cheguei à cidade de provisório
Os incomodados me incomodaram
Só que passei a estar de propósito.
Vivo aqui porque quero e posso.
Aos incomodados, a saída.
Para mim, a entrada.
Faço rima, verso rimo, porque hoje eu gosto       gasto
Amanhã pode ser que eu ignore esse fato
E, parado, vibrando no todo-tudo, do mesmo local
Cano                                                            Buraco  
Como um cômodo
Que fica a cuidar do espaço em que está
Faço.
Eu posso.
Não poço.
Esse é o momento de uma voz me dizer:
Você tem que ser legal!
Mas tenho tanto de legal quanto de anormal e amoral.
Incomodo belas, feras e eurecas
Barbudos, peludos, artistas, amigos, inquilinos, sogros
E desconhecidos.
Por isso, ao poetizar, grito
Como um poeta brega
Não como um músico teresinense
Canto, sem vergonha e sem regra:
Minha Teresina, eu a toco como ninguém faz!
E, enquanto eu não queira, não a troco jamais.
Sim, Teresina.
Não Alagoinhas, cidade de chuva divina
E fantasmas vívidos.
Estes versos poderiam ser para New York City
Ou feito com a intenção de agradar aos poetas, músicos
E ilustres figuras teresinenses
E suas propensas e existenciais crises.
Mas não tenho esse talento para escrever uma elegia
À grande maçã americana
Ou agradar aos grandes e mais ilustres lustres das panelas
Teresinenses contemporâneas.  
Estes versos não são para São Paulo, nem Rio, Picos Piripiri
Ou Timon.
Não são para os meus vizinhos
E as mulheres mais belas do Mocambinho.
Nem para J. Henrique V.
Poeta mal agradecido e que se diz meu amigo.
Com esforço acredito.
Não são a Ponte Metálica
Que já anda e desanda a desabar.
Não são para São Salvador e suas dores nostálgicas
Encruadas em mim.
Muito menos à Juazeiro da Bahia, onde cresci
E meti a língua
       A pica
Nas mais belas vaginas
Que um adolescente merece.
Muito menos à Petrolina, onde abri
De um dos meus desafetos, o supercílio
Ação que, hoje em dia, não mais pratico
E, por isso, os atuais desafetos são muito mal agradecidos
E, por trás, comportam-se como párias falidos.
São versos, exclusivamente, pensados e redigidos a mim
E para a nuvem que aliviou o calor desgraçado
E teresinense.
A eles, trago versos espremidos para fora dos meus poros
Que rangeram em meus ouvidos e doparam meu sangue
Com um elixir endiabrado e lascivo
Permissivo à ordem dos odores, sabores, desolados
E aos meus acalentados extremos diários
Que minha pessoa impregnou em quatro anos de Teresina.
Que, se fosse Teresa, Teresinha, seria melhor
Com as mulheres me dou com mais facilidade.
Nelas, de língua vou sem erro e certeiro.
Já que não mulher, sim, cidade
Teresina, escrevo-a como poema
Quem não entendeu fica na saudade.
Hoje venta com agilidade
Mas quase todos os dias, no Mocambinho
Seja tarde, madrugada ou cedo, sobra calor à vontade.
Aqui, Teresina, é cidade onde uma nuvem
Sempre vale mais a pena que certas amizades.
Eis a cidade onde escamo minha pele
E meus pelos vagabundos sobram e vão.
E, com capa e cueca, vou vagar o mundo.
Vagar mundo.
Vagalume.
Iluminando escuridão.
Depois de, na cabeça do mundo, cagar
Só de capa, pois sou higiênico e usei a cueca de improviso
Vou herói, bem limpinho no fundo
E Guto.
Vou também com a nuvem que fica ao céu e não se esvai.
Porém, quando poeta, dizem-me: sem classe e imundo.
Fodam-se, se me rotularam, fizeram-me de vulto.
Aqui escrevo onde meu silêncio diz versos sem métrica.
Dispo-me em linhas, intrínseco como dor em seu cotovelo
Em palavras repetidas
Como uma forma hermética de absolvição.
E, como vagabundo, ouço a voz que sussurra em meu Ouvido
Vinda da boca de meu dúbio-diabo-escondido-deus-amigo
Sobre versos e litígios assíduos
A voz diz: És poeta, escritor e vagabundo!
Com certeza, o maior vagabundo de Teresina
E, neste livro, reafirmo em litígio:
Sou o maior vagabundo de Teresina!
Se você prefere os floreios aos odores
Não serei seu poeta favorito.
Nunca serei o escritor, assinando
Na cabeceira de sua cama, o livro.
Assim como não sou o seu melhor amigo.
Não sou dos que torcem para o sol teresinense
Não sou do contra, nem bajulador
Gosto do calor, mas prefiro frio e uva.  
Sou um dos que pensa por causa do sol teresinense.
Mesmo que ele derrube meus últimos fios de cabelo
Assassino!
E que faça minha testa inexata suar.
Brilhar.
Enrugar.
Blindar raios solares.
Não sou poeta de nenhum lugar.
Sou o poeta de mim mesmo.
O meu guia espiritual
Regendo a minha vontade embutida
De ser livre e lírios.
Aqui, não existe mais o poeta dos primeiros
E antigos poemas.
O que se dizia “bom baiano”, regionalista, artista. Piadista.
Como quase todos os recitadores, são piadas e palhaços.
Celebridades a favor da grande e ilustre Poesia.
Para a plateia que bate palmas e que só lê poemas na TV.
Esse poeta, reflexo, foi-se descendo a ladeira.
A bel prazer, entrego minha gana antiga e pequena de ser
      Ouvido
Aos comparsas que se assumiram estrelas
E são imagens e espectros quando fazem arte
Para os gerais
E por eles são comidos como objetos televisivos
Atrativos.
A mim, quero apenas ser absorvido quando culpado.
Já não sou mais o mesmo de outros recitais.
Cansei de, em editais, mostrar-me agudo
O obtuso.
Em Teresina, onde passo como incompreendido
Ou maluco agressivo
Maníaco obsessivo
Preciso muito mais de frio
E de água
Do que de elogio.
Sou muito mais abuso e abusado, absurdo
Aos que me veem desocupado.
E aos que nada enxergam, favor olhar em minha testa
Que rei, erro, sou eu?
Sem harém e não refém
Sobrevivo bom, gordo, embriagado
Lombrado.
Curtindo a nuvem aliviando meu calor
E merecedora deste poema.
Ela trouxe pingos e traz a chuva.
Ao tempo que perco, peço e não perco tempo quando nu
E, na varanda de minha casa
Pulo ao lado de meu cachorro
Pelado, excitado
Juntos, dançamos a chuva, peludos
Sob o olhar alegre e solidário de minha esposa
Protegida da água azul e milagrosa
E com medo que raios me fritem
E compreendendo minha solitária lisérgica vida.
A mesma que Deus e o Diabo, em comum acordo
Trouxeram para Teresina.
Pronto, feito.
Aqui estou com feitio e muito bom grado.
E, em suas ruas, suas línguas, suas coxas, seu silêncio Alheio
Seus sabores embutidos, desembutidos, repelidos Escondidos
Frágeis e ordeiros
Em seus escondidos buracos peludos
Rosas e vistosos buracos, cinzas e sombras.
Ou em seus senhores e seus progênitos meninos
Mimados da mamãe.
Em sua madrugada
Nos pássaros que cantam pela manhã
Na periferia onde acordo em comum acordo
Em uma agradável matinal manhã de sábado
Em suas poucas ladeiras
E muitos paralelepípedos
Em seus bons e educados nativos
E suas máscaras e abrigos
No som de uma rede ninando o sonho de alguém
Nas bananas envelhecidas esperando serem comidas
Em seus rios que se tornam um rio indo ao mar
Em seus prédios que enfeiam o verde da cidade
Que está mais verde neste inverno
Em suas belas e carentes mulheres e filhas de família
Mestiças, brancas, negras, putas, amigas, lindas
Gozadoras, dengosas e mandonas                      Madonas
Que ainda não conheço
E que, pela minha mulher, esqueço
Em seus bares e em seus bêbados
Em seus versos e seu leito
Pois não existe poder algum que chegue a mim
Se não me chegam às palavras
Em ti, pouso, Teresina.
E amador
Repouso
Escaravelho.

Esse cara velho
Não é a melhor pessoa para lhe escrever um poema
Mas, com prazer, ofereço-lhe isto
Que acima está escrito.
Advindo de mim, poeta mal quisto
E breve esquecido
Como Amaral, o não artista

Do bairro Água Mineral. 


///////////////////////////////

Leia mais no link:


domingo, 27 de outubro de 2013

IML - conto do livro 'Imagine alguém te olhando do escuro'

IML

Antônio afirma a sua história: o cheiro de carniça pode aparecer quando você está sozinho, ou rodeado de uma multidão, você pode senti-lo deitado na cama, batendo papo em lugares privados e públicos, em qualquer lugar o cheiro de carniça pode grudar em seus orifícios nasais e povoar a parte capilar do mesmo. Sim, o cheiro de carniça, do Demônio, aparece em qualquer lugar, basta ele estar te mirando, te olhando nos olhos. O Demônio, quando está do seu lado, ele fede e te fita nos olhos.
_Em qualquer lugar? - perguntou Amanda, uma amiga que ouvia a história.
_Sim. Quando o Demônio está envolto por você, ou a você, depende de como se interpreta, ele se mostra por graça própria. Ele sabe que rir faz bem pra vida, por isso se diverte com a gente, exalando seu cheiro de carniça forte. E é melhor você sentir esse cheiro com gente ao redor, porque, se ninguém o sentir, você já saberá que é ele. À espreita.
Júlio ouve o que Antônio afirma e se lembra do cheiro de carniça que sentiu pela manhã, na sala da sua casa, quando estava só e fechando a casa para ir ao trabalho. Júlio sorri, Antônio continua: Você ri, né? Se um dia você sentir esse cheiro, como eu senti, quero ver o que você fará. Todo mundo um dia vai sentir a carniça que batiza o seu destino próximo. E, pior, depois que você sentir o cheiro de carniça do Demônio, reze para que o cheiro não fique impregnado na ponta de seus dedos. Porque esse é o sinal de que ele não veio para apenas rir de sua cara.
_Quem te disse essas coisas, seu maluco? – Amanda pergunta, sorrindo e dando tapas no peito de Antônio.
_Um dia eu estava no banheiro de casa e senti o cheiro, muito forte. Fiquei quase o dia inteiro com aquele cheiro de carniça podre pela casa. Ninguém sentia. Entrei na internet e li sobre isso, esse cheiro de carniça.
_Você leu na internet? Que nada, Deus é o reflexo do Demônio – Júlio pergunta e afirma, caindo em gargalhadas.

À noite, quando chega em casa, Júlio ainda sente o cheiro de carniça em sua sala, o cheiro espalhou-se pelo quarto onde dorme, pelo banheiro, cozinha. Ele sai pelo quintal e não acha nenhum bicho morto. Acende um incenso, novamente na sala. O cheiro melhora. Descrente de Deus ou Demônio, pensa: amanhã eu chamo o dedetizador.
Por um vício que tem desde criança, de cheirar suas mãos, Júlio cheira a ponta de seus dedos. Carniça pura! Ele pensa.
Em seu ouvido, uma voz concisa, séria, diz:
_Você já sabe por que estou aqui.

Três dias depois, um amigo do trabalho veio à casa de Júlio. Depois de abrir a porta com a ajuda de um chaveiro, constatou o cheiro de carniça que habitava em seu jardim. No jardim, o seu amigo de trabalho ficou espreitando. Dentro da sala, o chaveiro, que entrou só na casa, vê Júlio com os pulsos cortados, branco, deitado e encolhido, como se estivesse com o frio. “Com frio por cima duma poça de sangue” o chaveiro pensa em um bom título para mais um post em seu blog. O chaveiro tira o seu celular do bolso e faz uma foto de Júlio.
Fora de casa, o chaveiro comenta com o amigo de Júlio: cara, eu vou a uma lan house conferir meus e-mails. E você? Vai chamar o IML?

//////////////////////////

Leia mais no link:
http://issuu.com/joseaugustosampaio/docs/imagineonline


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Exposição "Cantos da minha casa"



Leia mais no link:
http://issuu.com/joseaugustosampaio/docs/livrodesigualonline


Poema "Ser" do livro 'Desigual'

Ser
Aos meus poemas floridos, também cultivo lírios.

O homem.
Homem, aquele sentado no azulejo.
Azulejo antigo, onde rachaduras trazem as formigas comedoras de bostas do bairro e exalam um cheiro que faz cagar mole.
O homem.
Sujo de mijo.
Não o azulejo, o short que o veste.
As mãos também.
Péssimo esse hábito de não lavar as mãos.
De dizer tudo com a língua, comer tudo como formiga.
Ele.
O homem.
Grudado.
Guardado.
Aguardado?
Branco.
À tarde.
À beira de um temporal.
Acima do peso.
O homem em seus olhos sonolentos.
Vermelhos e secos.
Cabeça vazia.
Com o coração batendo sórdido.
Faltam-lhe palavras.
Sim, falta quem o ouça.
Quem pergunte?
Quem saia de dentro do seu ouvido: primeiro a língua depois a boca, depois os olhos contaminados de ferocidade, depois os cabelos, os cabelos da vagina. PENTELHOS!!! 
Vamos!
Saia deste ouvido cheio de cera.
Diga algo que se coma e não vomite.
O homem sem perguntas sobre ele.
Um falta, um espaço sem identificação de qualquer preenchimento em tal espaço.
Ele.
Sem a imagem.
Só.
Convexo.
O peso não passa duma brisa em suas costas.
Mas há alguma corrente, uma qualquer ditadura, um feto um braço, uma trava em seu corpo
pescoço
inerte
Em sua vida verte.
O homem e seus amores no reflexo do seu olho.
No reflexo formado pela luz branda e sem sentido que adentra pela janela e que se diz vinda do sol.
No reflexo brilhante e maquinário do notebook.
O homem e seu triste olho, mais sua pele odores, suas costas em dores, suas palavras em depurada amnésia.
O homem. O amém. O nem. O né. O Zé. O é...

Sendo.

Exercendo.


///////////////////

Leia mais poemas no link:


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Nossas mulheres - poema do livro "O outro lado do olho"

Nossas mulheres

Nossas mulheres não são as loiras e pompas fodidas, lindas da TV.
Nossas mulheres são brancas esquisitas
assassinas com cheiro de cebola e sabão.
Nossas mulheres não são as máquinas, sexuais e transversais
nem amoras, ou tangerinas e vitaminas.
Nossas mulheres são hábitos visuais, beleza carnal
tipo: amor, briga e cama de casal.

Nossas mulheres
Nossas mulheres, mulheres
Nossas mulheres

Não são a do vizinho, nem a do amigo, mas a do inimigo pode ser.
Nossas mulheres. Nossas mulheres.
Poemas intermináveis com versos e discussões de relação.

Nossas mulheres bebem cerveja, mas não são as mesmas da propaganda.
Nossas mulheres. Nossas mulheres
Mulheres. Mulheres.
São vinhos, são carmas
são vícios, são benefícios.

Nossas mulheres.
Nossas mulheres.

São a nossa vida e ida afim. 


//////////////////

Leia mais poemas do livro: