domingo, 27 de julho de 2014

De cores indefinidas - da obra "afetos, abismos & engenharias"

De cores indefinidas

Com as mãos em ação, enluvadas, com nojo aparente em sua expressão bucal e com seu nariz gritando silenciosamente por socorro, ele limpava, pela primeira vez, em sua casa, a latrina onde as visitas urinavam e defecavam. Algumas vezes, o vazo já fora também vomitado. Tanto por visitas, quanto por ele, em excessos alcoólicos das festas que ele promovia, uma vez ou outra, banhadas a uísque, cerveja e quitutes.
Um bicho acinzentado, com 27 patas, não muito maior que a parte branca de sua unha, veio correndo pela lateral da usada latrina, ferozmente, de surpresa, entrou pelos cantos de sua luva e picou sua mão esquerda. Picou como se picar fosse seu ócio. Mas não era isso que o faria parar com sua urgente limpeza.
A empregada não pôde ir nesse dia. Estava doente e na fila do SUS. Mais uma pessoa, nessa fila, sem importância alguma. A cozinheira até lavaria o banheiro, onde estava a tal latrina, mas ele achou melhor a sua cozinheira concentrar-se numa boa comida caseira para servir à visita. Fique na cozinha, que ganho mais. Ele disse à sua cozinheira.
Sua esposa negou-se a fazer o serviço. Já seria demais o sacrifício. Apesar de muito rico e a sua esposa ser um produto que ele escolheu a dedo e comprou, ela negou-se a fazer o serviço. Para ser uma boa esposa, isso não faz parte do ofício. Ela dizia, servindo-se uma dose de Martine. Ele não tinha mais paciência para discutir com sua esposa e não teve tempo de chamar uma diarista porque a reunião com seu caro visitante tinha sido marcada de última hora.
Só restavam trinta minutos para sua visita chegar. Era seu chefe. Por mais dono e poderoso que você seja, sempre há um chefe à espreita. E, em visita de colegas e amigos, parentes, sogros e inimigos, a sua casa tem que estar maquiada e maquinada. Mas, quando é seu chefe que vai te visitar, a máscara, a fantasia que a casa vai trajar merecem a nota 10 no carnaval carioca. Então, como um bom funcionário, ele limpou o banheiro de visitas: os ralos, o chão, a privada marcada de merda alheia, a pia com marcas pretas das babas bem-vindas das visitas, etc. Quando terminou, sua mão estava um pouco inchada da picada do bicho desconhecido que invadiu antes sua casa, depois sua privada, e agora sua luva. Ele olhou bem a sua mão inchada e viu que não era nada para se preocupar. Ele também organizou o seu jardim de orquídeas imperais na parte central de sua casa. E, enquanto cheirava uma de suas belas flores, apareceu uma minúscula borboleta, de cor neon, poderia ser o bicho da beleza, mas tinha até dentes, não era nem borboleta, nem beleza (nem apenas uma rima). Era um diminuto bicho com asas agudas e astutas, nem menor, nem maior que um cisco. Era apenas um bicho, que sobrevoou, distanciando-se do nariz aspirador dele, e nos lábios pousou, mordendo-o como um incorreto, torto, inseto. Como se fosse uma surpresa desagradável, ele deu um grito de dor e pulou para trás. Mas isso não o fez parar para pensar sobre as dores e os segredos que estão como presentes todo o tempo e seguiu sua vida ignorando tal rara monstruosidade.
Ele tomou um banho rápido e ensaiou um discurso de agradecimento por receber essa visita tão expressiva e importante. Enquanto falava olhando-se, narciso, no espelho, de seu reflexo, outro bicho surge assíduo. Com uma textura de gota d’água e com braços que pareciam dedos, tudo miúdo. Pelo olho nu, era pequeno, um quase nada, a não ser um mínimo vulto transparente, parecendo água. A coisa aguada pulou em seus olhos e, aliviado, mijou, como se tivesse liberando um veneno, ou uma bênção. Logo após, morreu como fazem as abelhas quando nos ferroam. Ele sentiu esse ardor, que poderia ser uma dor mais vermelha, com mais horror, se não tivesse com tanta adrenalina em seu peito, com ansiedade de menino, esperando seu único e mais importante chefe.
Depois do ardor já ultrapassado, saiu do banheiro de toalha e, no quarto, não teve problemas para se vestir. Já tinha planejado a roupa que usaria quando soube da visita tão inesperada e surpresa que receberia. Poderia ser picado por uma aranha, ou fazer correr mil baratas, ou um vampiro, sugador de finanças, poderia mordê-lo. Nada mudaria sua empolgação com a breve chegada de seu patrão.
De lá, saiu direto para o bar de sua casa, onde escondeu todas as bebidas de sua esposa. E quando, no sótão, guardava os uísques, surge ele, debaixo da garrafa, cor de ouro, mas tão mínimo e menor, que era invisível, ainda mais no escuro, pois ele tinha cor de ouro, mas não brilhava aos olhos vivos. Sem patas, sem braços, sem bicos, outras mordidas. Dessa vez, em sua mão direita. Não inchou, ficou roxa. Mas não doeu muito. Ele não se incomodava com tais mudanças e pequenas dores e surpresas diárias. Organizou melhor os sofás e poltronas da sala, tirou as folhas velhas e insetos que boiavam em sua piscina olímpica, admirou o sol em raios amarelados, transcendentes e alaranjados que invadiam o jardim de sua casa, no sábado à tarde. O chefe só visita quem ele vai oferecer uma promoção. Pensou com um sorriso satisfeito.
O celular tocou, era a secretária de seu chefe cancelando a visita. E remarcando para o outro dia pela manhã, na empresa, às oito e meia. Ele aliviou-se um pouco, sua casa poderia estar melhor para receber tão nobre visita. Depois da nossa conversa, ele virá mais vezes e a casa com certeza estará melhor. Pensou.
Às oito e meia da manhã, ele estava no quadragésimo sétimo andar, na sala da secretária de seu chefe. A sala dela era do tamanho da sala de estar da sua casa. E ele tinha uma casa grande para os padrões brasileiros. Em sua boca, seus lábios eram quase vivos e falavam sozinhos sobre sua felicidade com a tal promoção. E é certo. A promoção vai vir! Afirmou na noite anterior à sua esposa. A secretária olhava apenas para o computador e, às vezes, para um vazio, como se sonhasse também. Mas sonhos eram proibidos por ali, se a empresa não tivesse participação.
Belas pernas. Belos lábios. Sua voz agrada a minha imaginação. Mas ela é só uma secretária. Ele pensou, concluindo sobre a beleza da mulher que estava por trás do título de secretária. Ele desviou um pouco o foco e começou a prestar atenção nas fotografias que estavam na sala. Eram todas de seu chefe. Algumas em preto e branco, umas com aspectos antigos e outras mais atuais. As fotos seguiam claramente uma ordem cronológica. Quanto mais as fotos são atuais, mais o chefe está gordo. Quanto mais rico ficou, maior ficou o tamanho de sua bunda. Pensou sozinho e sorriu educadamente. Se estivesse sozinho no local, teria soltado uma gargalhada. Parou com esse pensamento observando a secretária olhando para o vazio e sonhando. Ela se deixou levar por algum desses sonhos e abriu levemente suas pernas. Ele observou e viu que sua meia calça ia até a sua calcinha e suas coxas estavam descoloridas. Mas não viu muito mais, desviou o olhar quando o telefone tocou.
_Entre – disse a bela secretária, dessa vez com um leve sorriso.
E, da meia calça da secretária, saiu outro bicho. Ele era todo branco, como um urso polar, mas sem garras e microscópico. Veio rugindo, voando, em direção a ele, que se ia fugindo, na ótica do bicho. Antes que ele entrasse na sala do chefe, sentiu uma mordida em sua nuca. Recolheu os ombros como se estivesse com dor, mas disfarçou sorrindo para seu futuro-garantido e atual chefe.
Dentro da sala, que era duplamente maior que a da secretária, com todas as janelas de vidro e uma visão panorâmica da cidade, ele caminha até o centro, onde estava uma cadeira. Com o olhar, seu chefe ordena-o a sentar. Ele senta.
_Bom dia – ele disse ao chefe.
_Bom dia. Sente-se. Me desculpe por ontem. Fui à sua casa, mas no caminho percebi que esqueci na minha casa o principal motivo para que eu te visitasse. Então retornei e, quando cheguei em casa, perdi um pouco o tesão da visita, compreende?
Ele responde que sim e surpreende-se com o linguajar de seu patrão.
_Ali! – o chefe diz, mandando-o ir para onde estava uma maleta que ele apontava, no canto da sala.
_O quê? – ele pergunta o que exatamente seu chefe quer.
_Aquela maleta me fez voltar ontem. Júlio, meu chofer, ou melhor, ex-chofer, o demiti. Ele esqueceu a maleta em minha casa.
_O senhor quer que eu pegue a maleta?
_Perguntas idiotas, respostas ignorantes. É assim que as pessoas são demitidas nesta empresa – disse o chefe.
_Ok – ele foi em direção à maleta. Deu trinta e sete passos até ela, tão grande era a sala do chefe. Pegou na alça, mas a mala estava muito pesada. Com seus dois braços, conseguiu trazê-la para uma mesa central da sala.
_Abra ela. Eu ainda não incluí o código. Pode abrir e, antes de fechar, inclua seu código. O que tem nela é seu – disse o chefe, um pouco distante do seu funcionário.
Antes que ele abrisse, seu chefe o interrompeu dizendo:
_Espera. Por que suas mãos estão inchadas e roxas? Uma está inchada, e outra roxa. Por quê?
Ele tentou disfarçar, mas disse timidamente:
_Insetos. Uns bichos que me picaram. Não sei bem.
_Insetos? Tudo bem. Os piores bichos vêm dos locais mais inusitados, podres e esquecidos. Sempre é assim – seu chefe terminou a fala sorrindo. um sorriso expansivo e dono.
Ele sorriu junto. Mas, antes de terminar o riso do chefe, ele já estava sentado na mesa central e abrindo a mala. Era uma quantidade exorbitante de dinheiro. Seus olhos brilharam.
_Tem aí uma quantia de dez anos do seu salário. Tudo em notas de cem e alguns títulos que concedo para investimento, que valem mais do que o próprio dinheiro.
_O senhor está me demitindo? – ele perguntou, assustado.
_Não. É a sua promoção.
_Como assim?
Primeiro, o chefe gargalhou com vontade e excitação, depois disse sério:
_Você já tem uma bela casa, que eu sei. Tem uma linda esposa. Ganha muito bem aqui. No mercado, em sua área, é uma das pessoas que melhor recebe e é das mais respeitadas. Agora, essa maleta tem, exatamente, em valores reais, dez anos de seu salário. E você tem duas opções:
_Quais? – ele perguntou ao chefe, ansioso.
_Ou você deixa de ser meu capacho e investe esse dinheiro em sua vida e cria sua própria empresa, ou me devolve o dinheiro da maleta, volta para a sua função e, daqui a dez anos, eu te darei três vezes mais que esse valor que oferto agora.
_Como assim?
_Você é burro ou o quê?
_Desculpe – ele disse, sem retirar os olhos do dinheiro.
_É burro mesmo. Olhe, é o seguinte. Ou você continua trabalhando para mim fazendo a mesma função e recebendo o mesmo salário por mais dez anos, ou você pega esse dinheiro. A gente encerra nosso contrato. E você toca sua vida sozinho sendo seu próprio chefe – o patrão diz, asperamente.
_Todo mundo tem um chefe. Você não tem?
_Tenho. Ele me fez essa proposta e ainda estou aqui, fazendo a minha parte. E você, o que quer?
_Por que está me oferecendo isso? – ele perguntou, desconfiando da boa ação de seu amado patrão.
O chefe sorriu e exigiu:
_Vá pensar. Aposto que já está quase perto de sua decisão – ele sorri novamente. – Mas pense bem antes de confirmá-la pra mim. Ou melhor, confirmar a você mesmo.
Ele saiu da sala de seu patrão com a maleta em mãos e disse que iria para casa conversar com sua mulher. O seu chefe zombou de sua cara falando ...já sabia que você faria isso: perguntar à mulher. É o que todos os covardes e perdedores fazem. Enquanto o ele dizia isso, sorria o riso meigo dos chefes matreiros.
No meio do caminho, ele estava preso em um engarrafamento em seu carro importado, blindado e com vidros fumês. Já sabendo qual era a decisão que tomaria sobre seu futuro, ele abriu a maleta com seus olhos e suas mãos e começou a olhar o montante do dinheiro. Babou como se estivesse de fronte a um manjar dado especialmente por Deus e sua caridade eterna. Emocionou-se como se tivesse marcado um gol em final de copa do mundo.
Mas, no antro de suas emoções, um bicho, que estava escondido embaixo das notas azuladas-esverdeadas e títulos, com 87 patas, quatro bocas e 98 dentes, sem falar de seus 113 olhos, pulou em sua mão. Era tão pequeno que ele não o percebeu. O bicho, esperto, pulou em seu pescoço e o mordeu. Cravou seus dentes na jugular e chupou um pouco do seu sangue. E chupou mais. E mais. MAIS! Até mudar de cor, deixando de ser marrom, tornando-se vermelho-roxo. O bicho trocou fluído e saliva com sua vítima, que não percebeu a mordida que aconteceu sem dor. Depois do ato, o bicho saiu voando até perder suas asas. E caiu no tapete do carro onde nunca mais seria visto, e ficaria esperando a morte com um riso débil e lisérgico de felicidade.
      Ele, já mais que decidido, chegou em casa. Ainda assim, perguntou a opinião da esposa. Para ela, de onde viesse mais dinheiro era melhor. Para ele também.
Ele, ofendido por causa do seu chefe que o chamou de burro e antes lhe deu um cano, pensou: Foda-se. Como se fosse dá tudo certo, ele seguiria sua trilha: primeiro foi demitido, depois vai tirar umas férias e, logo depois, ser chefe de si mesmo.
Intenções são instigadas por engenharias transcendentais.
De primeira, o efeito da mordida do bicho do dinheiro fez surgir em seu rosto pequenos fiapos de barba, os pentelhos da cara. O dia estava começando. Ele e sua esposa já estavam com felizes sorrisos explanados, comemorando a vida. Uísque. Petiscos. Champanhe. Sexo na sala e com direito à gozada de ambos. Era certo que, com o investimento inicial e o crédito que ele tinha na praça, seria o dono, o líder de mercado da sua área de atuação. Era certo que seus delírios megalomaníacos eram o efeito do veneno do bicho do dinheiro em seu sangue. Vou fazer um conglomerado de empresas que atuem em todas as áreas que tenham a ver com a bolsa de valores. Quem sabe não faça uma bolsa com meu nome... Com meu talento e esse investimento inicial, eu posso tudo. E, entre os sorrisos e brindes, ele teve outra ideia megalomaníaca. Dessa vez, a ideia veio com um cunho de certeza em seu peito. Essa nova ideia dará certo! Afirmava. Mas, antes que ele contasse para sua mulher a tal ideia, ela sentiu nele um cheiro insuportável. Ele não percebeu, mas ela inventou que estava com dores no corpo, com dor de cabeça. E saiu para a massagem, e depois para salão e, no fim do dia, para relaxar, meditação ao ar livre. Ela só voltaria no horário da novela das nove, à qual não deixa de assistir.
Ele estava tão extasiado que não se importou. E, sozinho, vislumbrou o sonho de seu pai, que era pastor na igrejinha do interior onde ele passou a sua infância. Até ter o pai assassinado por um fanático religioso. Seu pai foi morto em sua frente. E, assim, ele foi até seu quarto e pegou a antiga gravata que seu pai usava em seus cultos. De fronte ao espelho, com a gravata no pescoço, ele sonhou que em vez de montar o tal conglomerado de empresas no seu setor, poderia abrir uma nova igreja: José de Deus, a igreja da sua salvação. Em homenagem ao seu pai José. Ele sempre foi bom de lábia e sabia falar bem de Deus. Ou seja, já tinha meio caminho andado. E sem falar que Deus sempre o ajudou nos piores momentos de sua vida. Ele era um filho merecedor. E, assim, eu abrirei uma igreja. Concluiu em pensamentos.
Mas, antes que tomasse a primeira atitude ligando para um dos seus irmãos, que era pastor em outra igreja evangélica, para convidá-lo a essa missão divina e de fé, viu seu reflexo no espelho e achou-se mais baixo e curvado. Pegando em suas costas, sentiu sua coluna mais curvada. Olhou novamente seu reflexo e viu que realmente ele estava curvado. Mais redondo. Como se fosse um “C” com duas pernas e dois braços. Seu rosto estava mais cabeludo. Preciso fazer a barba. Pensou. E foi ao banheiro das visitas, que outro dia ele tinha lavado para seu chefe poder usar. Mas seu chefe não foi. Deu bolo. Com certeza abrirei meu negócio. Serei o dono de tudo que está ao meu redor e meu próprio chefe. Chefe de minha alma. Ainda vou catequizar meu ex-chefe e todos meus colegas de trabalho na minha fé. Vou multiplicar em vinte esse dinheiro. Vou enquadrar fortunas. Com a força do Senhor! Aumentar tudo em cem vezes...
      Enquanto ele sonhava no banheiro de visitas e começava a fazer sua barba, ocorreu-lhe outra ideia de como poder ter ainda mais dinheiro sem que o fisco comesse uma parte do bolo. Como é que meu chefe ainda não pensou nisso? Depois eu que sou o burro. Concluiu. E, antes que terminasse sua barba, viu-se político. Senador. Em breve, com tudo que ele realizasse, um dia ele seria presidente. Até porque, quanto mais obras, mais votos. Quanto mais votos, mais dinheiro lavado e mais dinheiro no bolso. Isso era certeza!Eu posso, pois sei onde se encontra o poder de poder. Ele filosofava sozinho, até que percebeu que não estava surtindo efeito o feitio de sua barba. Tirou o creme de barbear e tentou raspar com a lâmina de forma grosseira. Em menos de trinta segundos, todos os cabelos cresciam em seu rosto. Ficou um pouco desesperado e foi até a sala, onde olhou o dinheiro e tranqüilizou-se. Pagarei o melhor médico para resolver esse problema. Pensou nessa solução. Mas, antes de se aliviar de vez e ter mais uma de suas grandes ideias, percebeu em sua barriga um vão. Um vazio. Um vácuo. Passou a mão e sentiu no lugar do umbigo um buraco. Tirou a camisa e olhou. Sim, tinha um buraco no lugar do umbigo. Foi direto para o banheiro, onde vomitou assustado. Esse ato o deixou ainda mais assustado, pois o vômito saiu todo pelo buraco que estava no meio de sua barriga. O vômito tinha um cheiro de podridão e era de cor amarronzada. Ele ficou muito nervoso e começou a chorar. Ele olhou-se no espelho e viu-se, mais fielmente, no formato de um “C”, ou era um “U”. Não conseguiu identificar bem no que estava se transformando. Sua barriga começou a doer e, com uma vontade enorme de cagar, sentou-se na privada. Precisou forçar, pois não saía nada. Forçou mais um pouco e, pelo buraco de sua barriga, saiu a merda. O que melou todo o chão do banheiro. Entrou debaixo do chuveiro e voltou para a sala sem se importar com a sujeira que tinha produzido.
Na sala, em cima do dinheiro, estava uma concentração de insetos. Seus olhos não conseguiam ver direito o que eram os insetos, mas eles eram do grupo dos bichos de onde saiu o bicho do dinheiro que o mordeu no carro. Todos estavam juntos, planando e voando ao redor do dinheiro como moscas. Quando os bichos o avistaram, pararam no ar como borboletas e Dadá Maravilha, e migraram grunhindo em direção ao buraco que tinha se formado na sua barriga. Ele percebeu que alguma coisa de errado tinha com aquele dinheiro todo. Vestiu-se, fechou a maleta de dinheiro e, ainda umas 17:30h, saiu de sua casa com os insetos voando ao seu redor.
Quando ele chegou à empresa, subiu o elevador com todos ao redor de narizes fechados e olhando-o, como se ele fosse uma fossa humana. Seu fedor já era perceptível e insuportável até para ele. Mas não tinha o que fazer, a não ser conseguir falar com seu chefe.
Ainda mais “C”, com cabelos pelo rosto, pelos braços, e que não paravam de crescer, com o buraco em sua barriga aumentando cada vez mais, invadiu a sala onde estava a secretária e, sem pedir autorização, invadiu a sala do seu chefe. A secretária entrou perguntando se o patrão queria que chamasse a segurança do prédio.
_Não precisa, querida, eu conversarei com ele tranquilamente.
A secretária obedeceu. Saiu da sala tampando o nariz, fazendo cara de nojo e olhando para ele.
_O que tem nesse dinheiro que você me deu? – ele perguntou alterado.
_Você é um porco mesmo. Está precisando de um banho – disse seu chefe, tampando o nariz.
_Não enrola, porra. O que tem nessa desgraça de dinheiro?!
_Adalberto, meu querido – disse o chefe carinhosamente. – Você era meu melhor funcionário. Mas você fez sua escolha...
_Que escolha? – perguntou Adalberto.
_Você escolheu se demitir, não foi? Com alguns ex-funcionários a escolha demora uma semana, com outros, poucas horas. E esse foi seu caso, não foi? Para você não tem mais jeito.
      Antes que Adalberto falasse algo, seu corpo curvou-se mais, e seu rosto, suas pernas, braços, dentes, tudo que não fosse enrugado, enrugou-se como se sua pele envelhecesse cinquenta anos. Sua face. Seus olhos. Seu riso. Tudo virou pele enrugada. Ele tornou-se um oval, um círculo oval enrugado. Quase um vegetal, se não fosse ainda sua consciência ativa, percebendo tudo que acontecia no momento. O buraco em seu umbigo parou de crescer, mas ganhou uma consistência e fechou-se um pouco mais. Adalberto perdeu tamanho. Ele ficou pequenino, cabendo numa palma de mão. Não tinha mais pernas, nem braços. Agora ele estava com uma cor indefinida. O chefe levantou-se de sua cadeira já abrindo o zíper de sua calça de linho, número 67. Baixou as calças e a samba-canção. Pegou o que era Adalberto com certa dificuldade, quando se agachou. Analisou em sua palma da mão o que Adalberto é agora: um círculo enrugado, oval, com um buraco no meio, cabeludo ao redor e de cores indefinidas: às vezes roxo, às vezes avermelhado e até, às vezes, rosa.
_Como tem que ser, ele fede. É certo – o chefe fala sozinho, satisfeito.
Com um sortido sorriso, acompanhado pelas suas estrias, não menos sorridentes, o chefe colocou Adalberto entre as bandas de sua bunda. E Adalberto, o mais novo cu do patrão, seguiu seu caminho, depois da fadada escolha, rapidamente adaptando-se a dança do quadril-senhoril que se mexia, alongando-se um pouco mais, como se estivesse harmonizando o espaço para o mais novo agregado.
E a bunda do chefe, branca, cheia de mimos, contaminada com banhas de primeira estirpe e uma elegante felicidade, sorria.




Leia o livro aqui:






segunda-feira, 21 de julho de 2014

more blues & So So drugs - Poema do 'O outro lado do olho'

Dez anos do poema "more blues & So So drugs"

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more blues & So So drugs

O cinza de Salvador foi embora passageiramente.
O cinza que não deixava ninguém se ver, foi embora eternamente?
Hoje foi amarelo e um sopro.
Um vento e um estouro.
Esquecido.
Amarelo brilhante, cor de vida e sorriso seco. Moído.
Não teve calor.
O sopro sabe fazer egos amarrarem-se e aos agitos flutuarem.
Na Avenida Bonocô, vi uma escada nova.
A escada leva o povo de dois pés para cima.
Para perto de Deus. A escada servirá para a periferia e a classe média.
O povo manda agradecer a Deus e à condolência dos políticos pela escada (mesmo sem métrica).
O povo agradece a obrigação do pedreiro e seu mestre de obras.
A obrigação do cimento e sua pouca água.
O cimento pede mais adesivos, mais esforço menos culpa e uma escada Meu Deus, pra chegar ao céu.
Agora é obrigação dos pés moerem o cimento impregnado
Sustentado de água e suor impostos e terceirizações.
Precisamos de escadas, elétricas escadas.
Mas neste caso é preciso um ar condicionado e mais degraus e versos Sinceros.
É preciso mais artigos cor de anil, um céu azul, verde, amarelo.
Quando o ano é de copa, sou Brasil. 
Não conheço São Paulo, Rio.                           
Mas estive seco, profundamente seco e morri nas águas do Velho Chico.
Nunca estive em Brasília;
E o cheiro do mijo escondido, misturado, espalhado pela minha roupa
De bêbado, me traz outro assunto, que passa pelo meu nariz sujo
Dente cariado
Sapato velho estragado.
Vou andando sem ter noção do tempo.  
Se foi ontem                         se foi hoje                                         ou nunca será?
Quero mais cores, mais tendências e mais moda que se combinem
Multipliquem-se, invertam-se ligeiramente pelas estações.  
Moda, moda, moda, moda, moda, moda, moda.
Não demora e o dia passa, outra noite, outra vez chuva
(não foi eternamente)                                             nada diferente.
A não ser pelo pedido de todos:
more blues & So So drugs.
As prostitutas bebem vinho e espalham a ordem de pernas abertas.
A cidade bebe vinho e esculpe a ordem de ruas abertas.          
Dentro do banheiro público, mais mijos e segredos guardados
A sete chaves.
Mijo mais. Mijo amarelado                      embriagado.
No meio da rua, pedras conversam, falam sobre segredos.
No meio da rua, todo mundo conversa, esconde segredos.
As pedras falam sobre os nossos segredos, eu ouvi.
As pedras não ficam no mesmo lugar, eu vi.
Caminham seguradas pelas nossas mãos
Nossas máquinas
Nossos políticos, nosso progresso
Nossos senhores de engenho.
Que ainda existem sem engenho, mas com engenhocas.
No pelourinho, muito negro e muita polícia.
Nostalgia em Salvador?
No Pelourinho, MPB, sexo e as prostitutas continuam impregnando
A sua ordem.
São pedidos mais banheiros públicos pelo povo.
O povo com oito patas, óctuplos.
O banheiro com oito privadas, óctuplos.
A rima rítmica descarada, óctuplos.
Mais uma vez, óctuplos.
A mãe, mãe de óctuplos.
A minha paranóia com a palavra óctuplos.
Mas, interrompendo, o Poeta vem rimando seus versos em voz alta
Sem saber nem o que fala.
Na cidade muito caos e manifestações.
E o povo clama em ordem junto às ruas:
more blues & So So drugs.
Salvador respinga refúgios e orgias
Por toda esquina tem um baleiro, uma puta
Um deitado no chão.
A cachaça que ele bebe faz sorrir igual à cachaça do gringo.
Nas ruas, filas tentam ser formadas mas as tentativas são desmascaradas.
Nos becos, e Salvador tem muitos becos, um choro chora.
Não tem canção de ninar neste horário
Ninguém usa farda, mas todos combinam o vestuário.
Os que estão fora da moda são desavisados, mas só para os estilistas.
A vida despeça e convicta faz festa em cor de rosa.
Mas só para os elitistas.
Psytrance       arrocha          lambada         afoxé              axé      pagode
Reggae           rock and roll andrugs          tudo rosa.      
Desgovernado vem o carro, mas vai parar logo à frente.
Mais um engarrafamento. Droga. Drogas.
A cidade precisa de mais engarrafamentos.
A cidade precisa de mais desordenamentos. E drogas que acalmam a alma.
A fila e os minutos perdidos conversam em paz
Enquanto nos carros o consumo é muito diazepam e cafezinho e almas Silenciadas.
Enquanto isso, em Brasília, muito calor            muito glamour.
O povo manda dizer que quer usar barba também e tá feliz com o feijão
De cada dia.
Já a classe média pede mais nostalgia, mais real.
A classe média está ficando careca.
Os jovens todos querem mais revoluções.                     Outros Che's.
Pedem mais ícones, cocaína exportada de Brasília, sexo and
more blues & So So drugs.
Tudo vai a uma ordem desgovernada, exagerada.
É pressa de não viver?
Escorrega das mãos uma nova chance, um novo delírio.
Alguém grita: "eu quero delírio, um pouco de ritmo".
Alguém precisa de você. Eu estou à disposição.
Um espelho cai bem à minha hipocrisia, a nossa.
Cai a carapuça em um sorriso dado com indignação de acusado.
Na praça muitas árvores cumprem a sua tarefa de embelezar
E dar sombras.
É pedido mais árvores e mais praças públicas.
O povo manda agradecer ao pedreiro e aos impostos pela praça.
Na rua todo mundo anda e paga sem saber.
Neste momento alguns pagam pra beber.
Na rua, todos estão mortos.
Ou só é a minha pele que esfria, apodrece?
Talvez no esgoto, os ratos sofram menos.
Ratos, baratas e vermes são eternos. Nunca apodrecem.
Eles agradecem as condolências de quem joga lixo no chão.
Os ratos, as baratas e os vermes brigam entre si
Querem mais mercados na bolsa de valores
Mais queijo, mais lixo, mais terra
E enquanto isso os computadores dormem antes de iniciar o            
Pregão.
Dentro das casas um veredicto é posto em mesa
Hoje é o dia das mentiras caírem.
Outras verdades tomarão os seus lugares.
Estão todos aqui: o gato, a pia, a mesa, a privada
A TV, Faustão, a net, Ivete.
O vizinho que nunca reclamou do barulho de madrugada
Nem do cheiro de maconha que o vento leva à sua sala.
Os entes queridos, alguns estúpidos, outros discretos, esculpidos
A barata acaba de chegar, a vida acaba de continuar
E a morte, Deus?
Este é o assunto.
Mas antes um grande e espesso pedido:
more blues & So So drugs.           
A plástica está aceita em todas as ordens.
Quando não é para a pele, seios, bundas e lábios vaginais, é  para solidão.
É para o trânsito, mesclado com um pouco de paixão
Pelo fato de mexer com o ser.
A plástica pode ser cara, barata, depende da agonia imediata.
O povo quer plásticas, os carros querem e necessitam plásticas.
O antigo é uma necessidade de plástica.
E as costas já não aguentam mais a falta de compaixão
E amor próprio.
É cinza de novo, já se passam dias e o término é o verso que diz.
Diz o que vejo todos os dias e o que sinto.
Algo imprescindível são as praças públicas, os banheiros públicos
As avenidas públicas.
As pessoas públicas.
Os poetas públicos.
Os sexos públicos.
O amor público e banal.
O rapaz que passa demonstra ser mais sexy
A mulher está muito mais sexy             roll and sexy.
A televisão espalha modernidade e aguça a sexualidade.
Uma mente um pouco deturpada desse povo que faz TV.
Mente deturpada a minha que escreve pra disfarçar a solidão.
Algo impróprio e inerente como o amor.
Algo fugaz como minha janela deste quarto entreaberta
Espalhando palavras e       sensações
Espalhando lembranças e um fino deleite de nostalgia e saudade.
Toda palavra escrita passa por mim. Toda palavra escrita passa por mim.
Passa por entre os cimentos dos prédios e as suas obrigações alheias.
Sou a árvore personificada, as pedras e seus ouvidos
                        Personificados.
Ouço tudo e executo os meus vícios em partes idôneas da minha cabeça
Pensante.
Nada contra Paul e o Blues, também sou cult.
Nada contra ao L e o T, mas prefiro o cu.
E quem sabe um dia criem uma denominação mais gostosa e brasileira Brasilês, do que cult.
Então poderei gostar do cu, sem o L e o T.
Nada contra Paul, mas prefiro o Zé. 
Nada contra a Britney, mas prefiro a Maria.
Estão construindo um metrô e novos prédios.
Salvador está se organizando, agonizando
Não vejo ninguém em suas janelas observando este fato consumível
E descritivo.
Nas favelas, muitos sorrisos e arrocha e cachaça.
Nas janelas, muitos sorrisos e bossa e cocaína (vice-versa).
Nas avenidas, uma Salvador sobrevive e continua contínua.
E, dentro de mim, uma Teresina, não Teresinha.
O coração está batendo forte, é ano de copa e sou Brasil.
Nas avenidas, explode um sertão, uma maresia, um Brasil.
Em São Paulo, as pessoas falam tão alto que ouço daqui.
Não conheço Brasília, Rio, nem o Santo Paulo
Mas em janeiro, no dia primeiro, com ou sem a copa, continuo sendo Brasileiro.
Não sei se continuo sendo Brasil.
A vida é espalhada em dores e palavras.
Gestalt me mostrou como associar vida à morte.
E tudo a meu ver continua cor de anil.
E no mundo uma nova onda pop alternativa cult assola os nossos
Dizeres:
more blues & So So drugs.
O pátio está vazio.
Os corredores com perspectivas continuadas e banheiros privados e Públicos para a população do prédio
Estão vazios.
Elevadores não dormem e estão vazios.
Não retrocedem.
Elevadores não desobedecem.
Não vejo a coruja nesta noite
Sinto em minhas costas 12 assassinos e 2 sanguessugas
A coruja está ocupada ou dorme em alguma cobertura de luxo?
Distante daqui, no vizinho, o povo faz barulho.
No prédio, além do pátio vazio que disputa com elevadores
Quem ganha o prêmio da solidão
Tem a população que é educada e prendada.
Come com três garfos, usa papel higiênico com perfume
Dorme maquiada e não perde o costume
Come meu coração, entra em outro assunto, outro cume
A fim de meu suicídio repentino.
O povo manda agradecer o silêncio neste horário
Pena que é em outro bairro.
Mas o silêncio é só neste horário, amanhã é dia de branco.
E, antes da manhã, já é hora de acordar.
Acorda, Brasil!
Acorda, Brasil!
Neste horário, relógios despertadores não tocam.
Os corredores e pátios estão silenciosos.
Estão mais centrais, ansiosos , transversais.
Nesta hora, um movimento aparenta um amor sem tento.
Nesta hora, o poeta dorme a ressaca da noite anterior.
Os elevadores, sós, obedecem.
Não dormem, não retrocedem.
O portão eletrônico trava
O computador trava, deseletricamente
Um cigarro fumado, desorganizadamente
Outro escondido
Um vício, um martírio
Sou psicopata e carrego sanguessugas e assassinos
Nas minhas costas nesta noite.
Dois cafés, alguns expressos, pornografia e um jornal online.
A política dorme no corredor do pátio do meu prédio.
Quem me dera uma fatia desse bolo.
Você também pensa assim?
O sono, neste grande teatro, tem o papel de disfarçar a falta
De vergonha na cara.
O vendedor de jornal está entorpecido, não é culpa dos políticos?
Notas musicais e muito axé.
O povo não lê jornal?
Ouve pagode.
A população lê jornal?
Mas que porra adianta lê jornal?
Matérias vendidas e publicidades ambíguas.
A própria lei esbanja retórica e é estuprada. 
A lei se come.
Sadomasoquistamente.
O povo quer lei, a população também?
Acorda, Brasil, o povo precisa de educação.
E não de corredores vazios, hipócritas.
Nesta hora da madrugada, meu coração é um corredor.
Talvez durma para poder sonhar.
Poetize para poder chorar.
Eu andrugs e sonhos           desgastados  renovados.                            Antagônicos.
A mentira é o antagonismo entre o povo e a população.
Não existe verdade única
Mas, na verdade, a população e o povo são tudo igual
Quando habitam o banheiro.
E quem disse que isso é verdade?
Sentimento e jura, viva a liberdade de expressão.
Ninguém está no elevador que não retrocede
No corredor, somos inúteis.
Ninguém diz não, diz sim de paixão. Pede mais:
more blues & So So drugs.
A cocaína, das mentiras, é a maior de todas.
Só não maior que o valor das campanhas presidenciais.
Para Senador, vote no seu grupo.
Para Deputado, não tem segundo turno.
Na câmera e no senado tem uma grande mesa de vidro. 
Nesses órgãos, é possível cheirar mentira e o cu limpar com dinheiro.
É preciso tomar cuidado para não deixar o nariz sujo
É preciso dar o pão de cada dia e o circo de cada ilusão.
É preciso saber quem inventou esse termo ‘regional’?
Estão premiando por aí pessoas que fazem algo regional.
Assimilaram regional ao norte/nordeste.
Apesar do sul, sudeste, tanto faz
Lá pra baixo é tudo igual e clichê, inclusive regional.
Como nós nordestino da peste.
Nos becos de Salvador, o arrocha ultra-mega-original, quebra e esfrega.
Quebra também o carimbó, o afoxé, o frevo.
São Luís do Maranhão nunca mais morrerá depois do                                  
Poema Sujo de                                Gullar.
A Bahia nunca mais morrerá depois de Jorge Amado.
São Paulo nunca mais morrerá depois de
João Gilberto                       Caetano.
Itapuã e o Rio nunca mais morrerão depois de Vinícius e Gil.
E eu que escrevo estes versos não darei sobrevida a nada nem a ninguém.
O pop é chulo e popularesco, o regional é chulo e popularesco
Ambos inevitáveis e desejados em cada canto e gemido.
Ambos não cheiram à mentira.
A arte pode ser cópia, mas nunca mentira.
Guarde bem isso com você.
Cada qual cheira o seu tal.
O pop está na noite e quer brilhar.
O pop é papa, idioteque, analogismo
Porém, levanto a cabeça, meu brio e deixo o trio passar.
Quem não quer ser pop?
Já se mataram todos?
Raul não é pop? É brega.
O povo precisa ouvir mais Raul Seixas.
Ao mesmo tempo que falta café, falta seda
Faltam filas e escolas
Mas erva e igrejas têm de sobra.
Em Salvador, há muitas igrejas e templos.
O mundo é azul e Deus é Blue.
O povo pede mais palavras em inglês e modas.
Uma medida estatística qualquer para alavancar sorrisos.
O povo pede cifras.
O político aguarda a urna eletrônica.
O político pede cifras. Eu quero também.
O padeiro que acaba de acordar lembra que haverá segundo turno:
“Vou votar em quem?_Tanto faz, nada vai mudar, o pão vai assar e eu vou continuar a comer, dormir, trepar e cagar e carnavalizar”
O padeiro pede cifras.
Um alguém anda sem parar no apartamento de cima
Ou estou ouvindo coisas and So So blues?
Este alguém pede cifras.
Haverá segundo turno.
E as cifras não acabaram.
Haverá terceiro turno, mas só os desavisados que não sabem.
Os desavisados avisam que estão por aqui.
Na Lapa, há muitos desavisados, drogados, putas e raimundas.
Na Lapa, só de rima, sujismunda, a política aparece em panfletos Espalhados ao chão.
Os panfletos não querem ser recolhidos.
Um poema é pensado enquanto o poeta é recolhido.
Abdico de minha neutralidade.
Há um tudo e um nada
Do resto, eu mango                                               redigo:
more blues & So So drugs.
O povo pede mais morros para construir, mais abrigos e invasões.
O povo pede mais pedaços caindo aos pedaços de madeiras
Mais caindo aos pedaços de papelões
Mais caindo aos pedaços de assistencialismo.
Nada contra essas medidas paliativas e a boa vontade das pessoas
E do governo, mas o povo pede mais madeiras caindo aos pedaços
E que guarde o lugar do seu filho na escola
(Será que o pai de família pensa assim?).
São quantos anos que o povo pede mais escolas aos pedaços
                        Que não são montados?
A verdade é que esquecemos de pedir mais escolas.
Vocês venceram com a insistência do não fazer.
O povo não tem tempo pra montar quebra-cabeça.
O povo se envergonharia de mim, pois sou hipócrita.
O povo queria estar domingo no almoço familiar e farto.
O povo faz churrasco, toma cerveja e cheira pó (?)
Samba o dia todo e à noite talvez briga, talvez sexo, talvez amor
Talvez choro de bebê, talvez Fantástico.
É Fantásticooo! O programa da família brasileira.
O programa herói.
Na TV, à frente de todos, mijo. Mijo na TV.
Homens mijam.
Homens mijam na parede.
Enquanto eu escrevo cago e mijo na cabeça de vocês.
Fui mijar no canto, não tinha espaço.
Mijo na TV a fim de queimá-la.
Bêbado, mijo nos pés de alguém
Bêbados mijam na minha cabeça e se eu deixar, vão cagar também.
Chego em casa cheirando a xixi
E, sem saber, os de casa, mijam palavrões em mim.
Na TV todo mundo está a sorrir.
Riem de mim.
Eu sou povo!
Se quer me esnobar, que seja pela frente
Pois sou daqueles que, do Cult, prefiro o cu.
Ou alguns centímetros acima em outro orifício.
Quem faz amor ou fode entre quatro paredes de forma cult e singela?
Quem pega no garfo da mesma forma que faz amor?
O grã-fino pega no garfo delicado e fode calado.
Existe um grã-fino em cada homem.
Existe um machista em cada homem.
Em cada homem existe uma menina.
Em cada homem existe um algo regional.
Pop                 transcendental          e muito mais do que estes meros versos.
Vamos, camaradas, seguir and forever and ever
Vamos, camaradas, não há o que esperar
O povo pede que clamem por eles
Vamos ao menos clamar a nós
Vamos, camaradas, ratos, baratas, formigas e vermes
Vamos todos proclamar a liberdade.
Vamos bêbados e poetas
Pois todos pedem mais
more blues & So So drugs   
Todos pedem mais
more blues & So So drugs.
Todos sofrem mais
more blues & So So drugs.
Todos riem mais
more blues & So So drugs.
Todos iludem mais
more blues & So So drugs.
Todos passageiramente
more blues & So So drugs.   
Todos em estouros esquecidos com sorrisos brilhantes aflitos
more blues & So So drugs.   
Todos que pedem uma escada para chegar perto de Deus e ficam
Firmes em suas condolências e precoces atos de medo querem
more blues & So So drugs.   
É preciso mais escadas elétricas e uma copa com bebidinhas caseiras
Outra Copa com o Brasil campeão e mais
more blues & So So drugs.   
Em São Paulo, Rio, Brasília, nas águas do Velho Chico mais
more blues & So So drugs.   
Pedem óctuplas vezes
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
more blues & So So drugs.   
As prostitutas, os fulanos e cicranas dentro do banheiro público
O polícia, o político, o viciado, o ateu, o gringo
As torcidas do Bahia e Vitória, o futebol, o marketing
O carnaval, as eleições, as noites e dias, o pensamento em branco
O nariz sujo, o poeta vagueando, o granfino transando
O espetáculo continuando, o medo surrupiando
A vida desocupando, o sujeito e o substantivo, o adjetivo
E os que precisam de adjetivos
Aqui redigo: mais vinho, Martine, pinga com limão e mel e
more blues & So So drugs.   
As pedras falam e pedem mais
more blues & So So drugs.   
Em Salvador, uma nostalgia, um fim de poema e mais
more blues & So So drugs.   
O povo clama mais
more blues & So So drugs.   
O baleiro clama mais
more blues & So So drugs.   
O chão se abre e torce pelo desastre, clama mais
more blues & So So drugs.   
A festa em cor de rosa toca psytrance arrocha lambada afoxé axé Pagode Reggae rock and roll andrugs tudo rosa e mais
more blues & So So drugs.   
A cidade precisa de mais engarrafamentos
A cidade precisa de mais desordenamentos
Mais diazepam e cafezinho, mais
more blues & So So drugs.   
A cidade precisa de mais impostos e mais pedreiros e mais
more blues & So So drugs.   
A cidade precisa iniciar o pregão e mais
more blues & So So drugs.   
É pedido mais plásticas e amor banal
É pedido que as pessoas fiquem mais sexys e mais
more blues & So So drugs.   
Aparecem cada vez mais avenue, cult, cocaine e Aurélio
E pede mais
more blues & So So drugs.   
Em Salvador, um sobrevivente, mil mortos.
Ou é a minha pele que esfria e padece podre?
Ou é meu pulmão fumaçado
E minha garganta desgraçada?
Ou é meu vício e minha desobediência?
Ou nunca vivemos e sempre fomos mortos?
Ou é Teresina que me diz viva?
Ou é o pedido que clamam:
more blues & So So drugs.   
Pedem mais sadomasoquistamente e mais e mais e mais
Repetitivamente
Repetitivamente
Repetitivamente                             
                         Repetitivamente
more blues & So So drugs.   
Os assassinos e os sanguessugas
E o povo educado e prendado
O povo aprende com os granfinos a educação e prenda
O ladrão de galinhas se irrita ao saber
Que o ladrão de colarinho pede mais e nada acontece
Eles querem mais:
more blues & So So drugs.   
Acontece do portão eletrônico travar
O computador travar
Deseletricamente    desorganizadamente um vício
Um martírio, uma pedra de crack.
E fume à vontade.
O pão de cada dia já foi dado e o circo de cada ilusão também
Tem para todos e muito mais e mais e mais e mais, acorda, Brasil!
E mais e mais e mais
more blues & So So drugs.   
Os artistas ficam em vitrines
E nos subúrbios e nas esquinas
E nos bares e na lua, os artistas escondem-se
Os artistas esqueceram a arte?
Mas não param e pedem mais
more blues & So So drugs.   
Em Salvador muitas igrejas e templos
Enquanto Deus continua Blue, cor de anil
E ninguém viu, a eleição passou?
Tudo agora cor e dor anil, para isso, tem mais
more blues & So So drugs.   
Eu vou continuar a comer, dormir, trepar, cagar, carnavalizar e pedir Mais
more blues & So So drugs.   
Mais cifras e mais
more blues & So So drugs.   
Mais desavisados, drogados, putas e Raimundas
E loucuras
E mais
more blues & So So drugs.   
É Fantásticoooo e mais
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E apelo em mais
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E mistura e mais
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E mulheres e mais
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E clichê e mais
more blues & So So drugs.   
E madrugada e mais
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É vontade e mais
more blues & So So drugs.   
É mentira e mais
more blues & So So drugs.   
É vertigem e mais
more blues & So So drugs.   
Pois agora sinto overdose, embora seja passageira em mente.
Sinto uma música melancólica, um pedido não feito
Um poema pertinente.
Impertinente?
Um choro que não saiu.
Uma vida que ri e riu.
Um futuro que se perdeu, escafedeu-se, não se sabe.
Sou povo que agradece a condolência e, ainda assim, sinto vergonha
E asco de minha hipocrisia
Eu sinto vergonha, mas já a aceito bem.
Enquanto uns se despem e dormem
Outros cavam a sua própria tumba e preferem morrer.
Dentro de mim há mistura, usura, loucura.
Fora, por fora deu, um sorriso para você, independente do que sinta Quanto a isso.
Porém sinto-se-me.
Viva o Brasilês!
O céu quebra e o amor está aqui enquanto pedem mais
more blues & So So drugs.   
Enquanto leio livros e crio parte de meu circo lúdico e como meu pão
E bebo meu vinho barato, que divido com Cristo
Agradeço a condolência de minha paciência
E de sua paciência.
No outro lado, por dentro e por fora do olho
Tudo mais misturado e mais ou menos inexistente
Lisérgico.

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