Poemas. Prosa-poética. Contos. Crônicas. Fotografias. Vídeos. Arte... Liberação dos demônios. Por José Augusto Sampaio (Guto Sampaio)
quinta-feira, 31 de julho de 2014
domingo, 27 de julho de 2014
De cores indefinidas - da obra "afetos, abismos & engenharias"
De cores indefinidas
Com as mãos em ação, enluvadas, com nojo aparente em sua expressão bucal e com seu
nariz gritando silenciosamente por socorro, ele limpava, pela primeira vez, em
sua casa, a latrina onde as visitas urinavam e defecavam. Algumas vezes, o vazo
já fora também vomitado. Tanto por visitas, quanto por ele, em excessos
alcoólicos das festas que ele promovia, uma vez ou outra, banhadas a uísque,
cerveja e quitutes.
Um bicho acinzentado, com 27 patas, não muito maior que
a parte branca de sua unha, veio correndo pela lateral da usada latrina,
ferozmente, de surpresa, entrou pelos cantos de sua luva e picou sua mão esquerda. Picou
como se picar fosse seu ócio. Mas não era isso que o faria parar com sua
urgente limpeza.
A empregada não pôde ir nesse dia.
Estava doente e na fila do SUS. Mais uma pessoa, nessa fila, sem importância alguma. A
cozinheira até lavaria o banheiro, onde estava a tal latrina, mas ele achou
melhor a sua cozinheira concentrar-se numa boa comida caseira para servir à
visita. Fique na cozinha, que ganho
mais. Ele disse à sua cozinheira.
Sua esposa negou-se a fazer o serviço. Já seria
demais o sacrifício. Apesar de muito rico e a sua esposa ser um produto que ele
escolheu a dedo e comprou, ela negou-se a fazer o serviço. Para ser uma boa esposa, isso não faz parte do ofício. Ela dizia,
servindo-se uma dose de Martine. Ele não tinha mais
paciência para discutir com sua esposa e não teve tempo de
chamar uma diarista porque a reunião com seu caro visitante tinha sido
marcada de última hora.
Só restavam trinta minutos para sua visita chegar. Era seu chefe. Por
mais dono e poderoso que você seja, sempre há um chefe à espreita. E, em visita
de colegas e amigos, parentes, sogros e inimigos, a sua casa tem que estar
maquiada e maquinada. Mas, quando é seu chefe que vai te visitar, a máscara, a
fantasia que a casa vai trajar merecem a nota 10 no carnaval carioca. Então, como um bom
funcionário, ele limpou o banheiro de visitas: os ralos, o chão, a privada
marcada de merda alheia, a pia com marcas pretas das babas bem-vindas das
visitas, etc. Quando terminou, sua mão estava um pouco
inchada da picada do bicho desconhecido que invadiu antes sua casa, depois sua
privada, e agora sua luva. Ele olhou bem a sua mão inchada e viu
que não era nada para se preocupar. Ele também organizou o seu jardim de
orquídeas imperais na parte central de sua casa. E, enquanto cheirava uma de
suas belas flores, apareceu uma minúscula borboleta, de cor neon, poderia ser o
bicho da beleza, mas tinha até dentes, não era nem
borboleta, nem beleza (nem apenas uma rima). Era um diminuto bicho com asas
agudas e astutas, nem menor, nem maior que um cisco. Era apenas um bicho, que
sobrevoou, distanciando-se do nariz aspirador dele, e nos lábios pousou,
mordendo-o como um incorreto, torto, inseto. Como se fosse uma surpresa
desagradável, ele deu um grito de dor e pulou para trás. Mas isso não o fez parar
para pensar sobre as dores e os segredos que estão como presentes
todo o tempo e seguiu sua vida ignorando tal rara monstruosidade.
Ele tomou um banho rápido e ensaiou um discurso de agradecimento por
receber essa visita tão expressiva e importante. Enquanto
falava olhando-se, narciso, no espelho, de seu reflexo, outro bicho surge
assíduo. Com uma textura de gota d’água e com braços que pareciam
dedos, tudo miúdo. Pelo olho nu, era pequeno, um quase nada, a não ser um mínimo
vulto transparente, parecendo água. A coisa aguada pulou em seus olhos e,
aliviado, mijou, como se tivesse liberando um veneno, ou uma bênção. Logo após,
morreu como fazem as abelhas quando nos ferroam. Ele sentiu esse ardor, que
poderia ser uma dor mais vermelha, com mais horror, se não tivesse com
tanta adrenalina em seu peito, com ansiedade de menino, esperando seu único e
mais importante chefe.
Depois do ardor já ultrapassado, saiu do banheiro de toalha e, no
quarto, não teve problemas para se vestir. Já tinha planejado a roupa que
usaria quando soube da visita tão inesperada e surpresa que
receberia. Poderia ser picado por uma aranha, ou fazer correr mil baratas, ou
um vampiro, sugador de finanças, poderia mordê-lo. Nada mudaria
sua empolgação com a breve chegada de seu patrão.
De lá, saiu direto para o bar de sua casa, onde escondeu todas as
bebidas de sua esposa. E quando, no sótão, guardava os
uísques, surge ele, debaixo da garrafa, cor de ouro, mas tão mínimo e menor,
que era invisível, ainda mais no escuro, pois ele tinha cor de ouro, mas não brilhava aos
olhos vivos. Sem patas, sem braços, sem bicos, outras mordidas. Dessa
vez, em sua mão direita. Não inchou, ficou roxa. Mas não doeu muito. Ele
não se incomodava
com tais mudanças e pequenas dores e surpresas diárias. Organizou melhor os sofás e
poltronas da sala, tirou as folhas velhas e insetos que boiavam em sua piscina
olímpica, admirou o sol em raios amarelados, transcendentes e alaranjados que
invadiam o jardim de sua casa, no sábado à tarde. O chefe só visita quem ele
vai oferecer uma promoção. Pensou com um
sorriso satisfeito.
O celular tocou, era a secretária de seu chefe cancelando a visita. E
remarcando para o outro dia pela manhã, na empresa, às
oito e meia. Ele aliviou-se um pouco, sua casa poderia estar melhor para
receber tão nobre visita. Depois da nossa conversa, ele virá mais vezes e a
casa com certeza estará melhor. Pensou.
Às oito e meia da manhã, ele estava no quadragésimo sétimo
andar, na sala da secretária de seu chefe. A sala dela era do tamanho da sala
de estar da sua casa. E ele tinha uma casa grande para os padrões brasileiros.
Em sua boca, seus lábios eram quase vivos e falavam sozinhos sobre sua
felicidade com a tal promoção. E é certo. A promoção vai vir! Afirmou na noite
anterior à sua esposa. A secretária olhava apenas para o computador e, às vezes,
para um vazio, como se sonhasse também. Mas sonhos eram proibidos por ali, se a
empresa não tivesse participação.
Belas pernas. Belos lábios. Sua voz agrada a minha imaginação. Mas ela é só uma secretária. Ele
pensou, concluindo sobre a beleza da mulher que estava por trás do título de
secretária. Ele desviou um pouco o foco e começou a prestar atenção nas fotografias
que estavam na sala. Eram todas de seu chefe. Algumas em preto e branco, umas
com aspectos antigos e outras mais atuais. As fotos seguiam claramente uma
ordem cronológica. Quanto mais as fotos são atuais, mais o
chefe está gordo. Quanto mais rico ficou, maior ficou o tamanho de sua bunda. Pensou sozinho e
sorriu educadamente. Se estivesse sozinho no local, teria soltado uma
gargalhada. Parou com esse pensamento observando a secretária olhando para o
vazio e sonhando. Ela se deixou levar por algum desses sonhos e abriu levemente
suas pernas. Ele observou e viu que sua meia calça ia até a sua
calcinha e suas coxas estavam descoloridas. Mas não viu muito mais,
desviou o olhar quando o telefone tocou.
_Entre – disse a bela secretária, dessa vez com um leve sorriso.
E, da meia calça da secretária, saiu outro bicho.
Ele era todo branco, como um urso polar, mas sem garras e microscópico. Veio
rugindo, voando, em direção a ele, que se ia fugindo, na ótica
do bicho. Antes que ele entrasse na sala do chefe, sentiu uma mordida em sua
nuca. Recolheu os ombros como se estivesse com dor, mas disfarçou sorrindo para
seu futuro-garantido e atual chefe.
Dentro da sala, que era duplamente maior que a da secretária, com
todas as janelas de vidro e uma visão panorâmica da cidade,
ele caminha até o centro, onde estava uma cadeira. Com o olhar, seu chefe
ordena-o a sentar. Ele senta.
_Bom dia – ele disse ao chefe.
_Bom dia. Sente-se. Me desculpe por ontem. Fui à sua casa, mas no
caminho percebi que esqueci na minha casa o principal motivo para que eu te
visitasse. Então retornei e, quando cheguei em casa, perdi um pouco o tesão da visita,
compreende?
Ele responde que sim e surpreende-se com o linguajar de seu patrão.
_Ali! – o chefe diz, mandando-o ir para onde estava uma maleta que
ele apontava, no canto da sala.
_O quê? – ele pergunta o que exatamente seu chefe quer.
_Aquela maleta me fez voltar ontem. Júlio, meu chofer, ou melhor,
ex-chofer, o demiti. Ele esqueceu a maleta em minha casa.
_O senhor quer que eu pegue a maleta?
_Perguntas idiotas, respostas ignorantes. É assim que as
pessoas são demitidas nesta empresa – disse o chefe.
_Ok – ele foi em direção à maleta. Deu trinta e sete passos
até ela, tão grande era a sala do chefe. Pegou na alça, mas a mala
estava muito pesada. Com seus dois braços, conseguiu
trazê-la para uma mesa central da sala.
_Abra ela. Eu ainda não incluí o código. Pode abrir e,
antes de fechar, inclua seu código. O que tem nela é seu – disse o chefe, um
pouco distante do seu funcionário.
Antes que ele abrisse, seu chefe o interrompeu dizendo:
_Espera. Por que suas mãos estão inchadas e
roxas? Uma está inchada, e outra roxa. Por quê?
Ele tentou disfarçar, mas disse timidamente:
_Insetos. Uns bichos que me picaram. Não sei bem.
_Insetos? Tudo bem. Os piores bichos vêm dos locais mais inusitados,
podres e esquecidos. Sempre é assim – seu chefe terminou a fala sorrindo. um
sorriso expansivo e dono.
Ele sorriu junto. Mas, antes de terminar o riso do chefe, ele já
estava sentado na mesa central e abrindo a mala. Era uma quantidade exorbitante
de dinheiro. Seus olhos brilharam.
_Tem aí uma quantia de dez anos do seu salário. Tudo em notas de cem
e alguns títulos que concedo para investimento, que valem mais do que o próprio
dinheiro.
_O senhor está me demitindo? – ele perguntou, assustado.
_Não. É a sua promoção.
_Como assim?
Primeiro, o chefe gargalhou com vontade e excitação, depois disse
sério:
_Você já tem uma bela casa, que eu sei. Tem uma linda esposa. Ganha
muito bem aqui. No mercado, em sua área, é uma das pessoas que melhor recebe e
é das mais respeitadas. Agora, essa maleta tem, exatamente, em valores reais,
dez anos de seu salário. E você tem duas opções:
_Quais? – ele perguntou ao chefe, ansioso.
_Ou você deixa de ser meu capacho e investe esse dinheiro em sua vida
e cria sua própria empresa, ou me devolve o dinheiro da maleta, volta para a
sua função e, daqui a dez anos, eu te darei três vezes mais que esse valor que
oferto agora.
_Como assim?
_Você é burro ou o quê?
_Desculpe – ele disse, sem retirar os olhos do dinheiro.
_É burro mesmo. Olhe, é o seguinte. Ou você continua trabalhando para
mim fazendo a mesma função e recebendo o mesmo salário por
mais dez anos, ou você pega esse dinheiro. A gente encerra nosso contrato. E
você toca sua vida sozinho sendo seu próprio chefe – o patrão diz, asperamente.
_Todo mundo tem um chefe. Você não tem?
_Tenho. Ele me fez essa proposta e ainda estou aqui, fazendo a minha
parte. E você, o que quer?
_Por que está me oferecendo isso? – ele perguntou, desconfiando da
boa ação de seu amado patrão.
O chefe sorriu e exigiu:
_Vá pensar. Aposto que já está quase perto de sua decisão – ele sorri
novamente. – Mas pense bem antes de confirmá-la pra mim. Ou melhor, confirmar a
você mesmo.
Ele saiu da sala de seu patrão com a maleta em
mãos e disse que
iria para casa conversar com sua mulher. O seu chefe zombou de sua cara falando
...já sabia que você faria isso: perguntar à mulher. É o que todos os
covardes e perdedores fazem. Enquanto o ele dizia isso, sorria o riso
meigo dos chefes matreiros.
No meio do caminho, ele estava preso em um engarrafamento em seu
carro importado, blindado e com vidros fumês. Já sabendo qual era a decisão que tomaria
sobre seu futuro, ele abriu a maleta com seus olhos e suas mãos e começou a olhar o
montante do dinheiro. Babou como se estivesse de fronte a um manjar dado
especialmente por Deus e sua caridade eterna. Emocionou-se como se tivesse
marcado um gol em final de copa do mundo.
Mas, no antro de suas emoções, um bicho, que estava escondido
embaixo das notas azuladas-esverdeadas e títulos, com 87 patas, quatro bocas e
98 dentes, sem falar de seus 113 olhos, pulou em sua mão. Era tão pequeno que ele
não o percebeu. O
bicho, esperto, pulou em seu pescoço e o mordeu. Cravou seus dentes na
jugular e chupou um pouco do seu sangue. E chupou mais. E mais. MAIS! Até mudar
de cor, deixando de ser marrom, tornando-se vermelho-roxo. O bicho trocou
fluído e saliva com sua vítima, que não percebeu a
mordida que aconteceu sem dor. Depois do ato, o bicho saiu voando até perder
suas asas. E caiu no tapete do carro onde nunca mais seria visto, e ficaria
esperando a morte com um riso débil e lisérgico de felicidade.
Ele, já mais que decidido, chegou em casa.
Ainda assim, perguntou a opinião da esposa. Para ela, de onde
viesse mais dinheiro era melhor. Para ele também.
Ele, ofendido por causa do seu chefe que o chamou de burro e antes lhe
deu um cano, pensou: Foda-se. Como se fosse dá tudo certo, ele seguiria
sua trilha: primeiro foi demitido, depois vai tirar umas férias e, logo depois,
ser chefe de si mesmo.
Intenções são instigadas por engenharias transcendentais.
De primeira, o efeito da mordida do bicho do dinheiro fez surgir em
seu rosto pequenos fiapos de barba, os pentelhos da cara. O dia estava começando. Ele e sua
esposa já estavam com felizes sorrisos explanados, comemorando a vida. Uísque.
Petiscos. Champanhe. Sexo na sala e com direito à gozada de ambos. Era certo
que, com o investimento inicial e o crédito que ele tinha na praça, seria o dono,
o líder de mercado da sua área de atuação. Era certo que
seus delírios megalomaníacos eram o efeito do veneno do bicho do dinheiro em
seu sangue. Vou fazer um conglomerado de empresas que atuem em todas as
áreas que tenham a ver com a bolsa de valores. Quem sabe não faça uma bolsa com
meu nome... Com meu talento e esse investimento inicial, eu posso tudo. E, entre os
sorrisos e brindes, ele teve outra ideia megalomaníaca. Dessa vez, a ideia veio
com um cunho de certeza em seu peito. Essa
nova ideia dará certo! Afirmava. Mas, antes que ele contasse para sua mulher
a tal ideia, ela sentiu nele um cheiro insuportável. Ele não percebeu, mas
ela inventou que estava com dores no corpo, com dor de cabeça. E saiu para a
massagem, e depois para salão e, no fim do dia, para relaxar,
meditação ao ar livre. Ela só voltaria no horário da novela das nove, à qual
não deixa de assistir.
Ele estava tão extasiado que não se importou. E,
sozinho, vislumbrou o sonho de seu pai, que era pastor na igrejinha do interior
onde ele passou a sua infância. Até ter o pai assassinado por
um fanático religioso. Seu pai foi morto em sua frente. E, assim, ele foi até
seu quarto e pegou a antiga gravata que seu pai usava em seus cultos. De fronte
ao espelho, com a gravata no pescoço, ele sonhou que em vez de montar o
tal conglomerado de empresas no seu setor, poderia abrir uma nova igreja: José
de Deus, a igreja da sua salvação. Em homenagem ao
seu pai José. Ele sempre foi bom de lábia e sabia falar bem de Deus. Ou seja,
já tinha meio caminho andado. E sem falar que Deus sempre o ajudou nos piores
momentos de sua vida. Ele era um filho merecedor. E, assim, eu abrirei uma
igreja. Concluiu em pensamentos.
Mas, antes que tomasse a primeira atitude ligando para um dos seus
irmãos, que era pastor em outra igreja evangélica, para convidá-lo a essa
missão divina e de fé, viu seu reflexo no espelho e achou-se mais baixo e
curvado. Pegando em suas costas, sentiu sua coluna mais curvada. Olhou
novamente seu reflexo e viu que realmente ele estava curvado. Mais redondo.
Como se fosse um “C” com duas pernas e dois braços. Seu rosto
estava mais cabeludo. Preciso fazer a barba. Pensou. E foi ao banheiro
das visitas, que outro dia ele tinha lavado para seu chefe poder usar. Mas seu
chefe não foi. Deu bolo. Com certeza abrirei meu negócio. Serei o dono de
tudo que está ao meu redor e meu próprio chefe. Chefe de minha alma. Ainda vou
catequizar meu ex-chefe e todos meus colegas de trabalho na minha fé. Vou multiplicar
em vinte esse dinheiro. Vou enquadrar fortunas. Com a força do Senhor!
Aumentar tudo em cem vezes...
Enquanto ele sonhava no banheiro de
visitas e começava a fazer sua barba, ocorreu-lhe outra ideia de como poder ter
ainda mais dinheiro sem que o fisco comesse uma parte do bolo. Como é que
meu chefe ainda não pensou nisso?
Depois eu que sou o burro. Concluiu. E, antes que terminasse sua barba,
viu-se político. Senador. Em breve, com tudo que ele realizasse, um dia ele
seria presidente. Até porque, quanto mais obras, mais votos. Quanto mais votos,
mais dinheiro lavado e mais dinheiro no bolso. Isso era certeza!Eu posso,
pois sei onde se encontra o poder de poder. Ele filosofava sozinho, até que
percebeu que não estava surtindo efeito o feitio de sua barba. Tirou o creme de
barbear e tentou raspar com a lâmina de forma grosseira. Em menos de
trinta segundos, todos os cabelos cresciam em seu rosto. Ficou um pouco desesperado
e foi até a sala, onde olhou o dinheiro e tranqüilizou-se. Pagarei o melhor
médico para resolver esse problema. Pensou nessa solução. Mas, antes de
se aliviar de vez e ter mais uma de suas grandes ideias, percebeu em sua
barriga um vão. Um vazio. Um vácuo. Passou a mão e sentiu no
lugar do umbigo um buraco. Tirou a camisa e olhou. Sim, tinha um buraco no
lugar do umbigo. Foi direto para o banheiro, onde vomitou assustado. Esse ato o
deixou ainda mais assustado, pois o vômito saiu todo
pelo buraco que estava no meio de sua barriga. O vômito tinha um
cheiro de podridão e era de cor amarronzada. Ele ficou muito nervoso e começou a chorar. Ele olhou-se
no espelho e viu-se, mais fielmente, no formato de um “C”, ou era um “U”. Não conseguiu identificar
bem no que estava se transformando. Sua barriga começou a doer e, com
uma vontade enorme de cagar, sentou-se na privada. Precisou forçar, pois não saía nada. Forçou mais um pouco
e, pelo buraco de sua barriga, saiu a merda. O que melou todo o chão do banheiro.
Entrou debaixo do chuveiro e voltou para a sala sem se importar com a sujeira
que tinha produzido.
Na sala, em cima do dinheiro, estava uma concentração de insetos.
Seus olhos não conseguiam ver direito o que eram os insetos, mas eles eram do
grupo dos bichos de onde saiu o bicho do dinheiro que o mordeu no carro. Todos
estavam juntos, planando e voando ao redor do dinheiro como moscas. Quando os
bichos o avistaram, pararam no ar como borboletas e Dadá Maravilha, e migraram
grunhindo em direção ao buraco que tinha se formado na sua barriga. Ele percebeu que
alguma coisa de errado tinha com aquele dinheiro todo. Vestiu-se, fechou a
maleta de dinheiro e, ainda umas 17:30h, saiu de sua casa com os insetos voando
ao seu redor.
Quando ele chegou à empresa, subiu o elevador com todos ao redor de
narizes fechados e olhando-o, como se ele fosse uma fossa humana. Seu fedor já
era perceptível e insuportável até para ele. Mas não tinha o que
fazer, a não ser conseguir falar com seu chefe.
Ainda mais “C”, com cabelos pelo rosto, pelos braços, e que não paravam de
crescer, com o buraco em sua barriga aumentando cada vez mais, invadiu a sala
onde estava a secretária e, sem pedir autorização, invadiu a sala
do seu chefe. A secretária entrou perguntando se o patrão queria que chamasse
a segurança do prédio.
_Não precisa, querida, eu conversarei com ele tranquilamente.
A secretária obedeceu. Saiu da sala tampando o nariz, fazendo cara de
nojo e olhando para ele.
_O que tem nesse dinheiro que você me deu? – ele perguntou alterado.
_Você é um porco mesmo. Está precisando de um banho – disse seu
chefe, tampando o nariz.
_Não enrola, porra. O que tem nessa desgraça de dinheiro?!
_Adalberto, meu querido – disse o chefe carinhosamente. – Você era
meu melhor funcionário. Mas você fez sua escolha...
_Que escolha? – perguntou Adalberto.
_Você escolheu se demitir, não foi? Com alguns
ex-funcionários a escolha demora uma semana, com outros, poucas horas. E esse
foi seu caso, não foi? Para você não tem mais jeito.
Antes que Adalberto falasse algo, seu
corpo curvou-se mais, e seu rosto, suas pernas, braços, dentes, tudo
que não fosse enrugado, enrugou-se como se sua pele envelhecesse cinquenta
anos. Sua face. Seus olhos. Seu riso. Tudo virou pele enrugada. Ele tornou-se
um oval, um círculo oval enrugado. Quase um vegetal, se não fosse ainda sua
consciência ativa, percebendo tudo que acontecia no momento. O buraco em seu
umbigo parou de crescer, mas ganhou uma consistência e fechou-se um pouco mais.
Adalberto perdeu tamanho. Ele ficou pequenino, cabendo numa palma de mão. Não tinha mais
pernas, nem braços. Agora ele estava com uma cor indefinida. O chefe levantou-se de
sua cadeira já abrindo o zíper de sua calça de linho,
número 67. Baixou as calças e a samba-canção. Pegou o que
era Adalberto com certa dificuldade, quando se agachou. Analisou em sua palma
da mão o que Adalberto é agora: um círculo enrugado, oval, com um buraco
no meio, cabeludo ao redor e de cores indefinidas: às vezes roxo, às vezes avermelhado
e até, às vezes, rosa.
_Como tem que ser, ele fede. É certo – o chefe
fala sozinho, satisfeito.
Com um sortido sorriso, acompanhado pelas suas estrias, não menos
sorridentes, o chefe colocou Adalberto entre as bandas de sua bunda. E
Adalberto, o mais novo cu do patrão, seguiu seu caminho, depois da
fadada escolha, rapidamente adaptando-se a dança do quadril-senhoril
que se mexia, alongando-se um pouco mais, como se estivesse harmonizando o espaço para o mais
novo agregado.
E a bunda do chefe, branca, cheia de mimos, contaminada com banhas de
primeira estirpe e uma elegante felicidade, sorria.
Leia o livro aqui:
segunda-feira, 21 de julho de 2014
more blues & So So drugs - Poema do 'O outro lado do olho'
Dez anos do poema "more blues & So So drugs"
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more blues & So
So drugs
O cinza de Salvador foi embora
passageiramente.
O cinza que não deixava ninguém se ver, foi
embora eternamente?
Hoje foi amarelo e um sopro.
Um vento e um estouro.
Esquecido.
Amarelo brilhante, cor de vida e sorriso
seco. Moído.
Não teve calor.
O sopro sabe fazer egos amarrarem-se e aos
agitos flutuarem.
Na Avenida Bonocô, vi uma escada nova.
A escada leva o povo de dois pés para cima.
Para perto de Deus. A escada servirá para a
periferia e a classe média.
O povo manda agradecer a Deus e à condolência
dos políticos pela escada (mesmo sem métrica).
O povo agradece a obrigação do pedreiro e seu
mestre de obras.
A obrigação do cimento e sua pouca água.
O cimento pede mais adesivos, mais esforço
menos culpa e uma escada Meu Deus, pra chegar ao céu.
Agora é obrigação dos pés moerem o cimento
impregnado
Sustentado de água e suor impostos e
terceirizações.
Precisamos de escadas, elétricas escadas.
Mas neste caso é preciso um ar condicionado e
mais degraus e versos Sinceros.
É preciso mais artigos cor de anil, um céu
azul, verde, amarelo.
Quando o ano é de copa, sou Brasil.
Não conheço São Paulo, Rio.
Mas estive seco, profundamente seco e morri
nas águas do Velho Chico.
Nunca estive em Brasília;
E o cheiro do mijo escondido, misturado,
espalhado pela minha roupa
De bêbado, me traz outro assunto, que passa
pelo meu nariz sujo
Dente cariado
Sapato velho estragado.
Vou andando sem ter noção do tempo.
Se foi ontem se
foi hoje ou
nunca será?
Quero mais cores, mais tendências e mais moda
que se combinem
Multipliquem-se, invertam-se ligeiramente
pelas estações.
Moda, moda, moda, moda, moda, moda, moda.
Não demora e o dia passa, outra noite, outra
vez chuva
(não foi eternamente) nada diferente.
A não ser pelo pedido de todos:
more blues & So So drugs.
As prostitutas bebem vinho e espalham a ordem
de pernas abertas.
A cidade bebe vinho e esculpe a ordem de ruas
abertas.
Dentro do banheiro público, mais mijos e
segredos guardados
A sete chaves.
Mijo mais. Mijo amarelado embriagado.
No meio da rua, pedras conversam, falam sobre
segredos.
No meio da rua, todo mundo conversa, esconde
segredos.
As pedras falam sobre os nossos segredos, eu
ouvi.
As pedras não ficam no mesmo lugar, eu vi.
Caminham seguradas pelas nossas mãos
Nossas máquinas
Nossos políticos, nosso progresso
Nossos senhores de engenho.
Que ainda existem sem engenho, mas com
engenhocas.
No pelourinho, muito negro e muita polícia.
Nostalgia em Salvador?
No Pelourinho, MPB, sexo e as prostitutas
continuam impregnando
A sua ordem.
São pedidos mais banheiros públicos pelo
povo.
O povo com oito patas, óctuplos.
O banheiro com oito privadas, óctuplos.
A rima rítmica descarada, óctuplos.
Mais uma vez, óctuplos.
A mãe, mãe de óctuplos.
A minha paranóia com a palavra óctuplos.
Mas, interrompendo, o Poeta vem rimando seus
versos em voz alta
Sem saber nem o que fala.
Na cidade muito caos e manifestações.
E o povo clama em ordem junto às ruas:
more blues & So So drugs.
Salvador respinga refúgios e orgias
Por toda esquina tem um baleiro, uma puta
Um deitado no chão.
A cachaça que ele bebe faz sorrir igual à
cachaça do gringo.
Nas ruas, filas tentam ser formadas mas as
tentativas são desmascaradas.
Nos becos, e Salvador tem muitos becos, um
choro chora.
Não tem canção de ninar neste horário
Ninguém usa farda, mas todos combinam o
vestuário.
Os que estão fora da moda são desavisados,
mas só para os estilistas.
A vida despeça e convicta faz festa em cor de
rosa.
Mas só para os elitistas.
Psytrance arrocha
lambada afoxé axé pagode
Reggae rock and roll
andrugs tudo rosa.
Desgovernado vem o carro, mas vai parar logo
à frente.
Mais um engarrafamento. Droga. Drogas.
A cidade precisa de mais engarrafamentos.
A cidade precisa de mais desordenamentos. E
drogas que acalmam a alma.
A fila e os minutos perdidos conversam em paz
Enquanto nos carros o consumo é muito
diazepam e cafezinho e almas Silenciadas.
Enquanto isso, em Brasília, muito calor muito glamour.
O povo manda dizer que quer usar barba também
e tá feliz com o feijão
De cada dia.
Já a classe média pede mais nostalgia, mais
real.
A classe média está ficando careca.
Os jovens todos querem mais revoluções. Outros Che's.
Pedem mais ícones, cocaína exportada de
Brasília, sexo and
more blues & So So drugs.
Tudo vai a uma ordem desgovernada, exagerada.
É pressa de não viver?
Escorrega das mãos uma nova chance, um novo
delírio.
Alguém grita: "eu quero delírio, um
pouco de ritmo".
Alguém precisa de você. Eu estou à
disposição.
Um espelho cai bem à minha hipocrisia, a
nossa.
Cai a carapuça em um sorriso dado com
indignação de acusado.
Na praça muitas árvores cumprem a sua tarefa
de embelezar
E dar sombras.
É pedido mais árvores e mais praças públicas.
O povo manda agradecer ao pedreiro e aos
impostos pela praça.
Na rua todo mundo anda e paga sem saber.
Neste momento alguns pagam pra beber.
Na rua, todos estão mortos.
Ou só é a minha pele que esfria, apodrece?
Talvez no esgoto, os ratos sofram menos.
Ratos, baratas e vermes são eternos. Nunca
apodrecem.
Eles agradecem as condolências de quem joga
lixo no chão.
Os ratos, as baratas e os vermes brigam entre
si
Querem mais mercados na bolsa de valores
Mais queijo, mais lixo, mais terra
E enquanto isso os computadores dormem antes
de iniciar o
Pregão.
Dentro das casas um veredicto é posto em mesa
Hoje é o dia das mentiras caírem.
Outras verdades tomarão os seus lugares.
Estão todos aqui: o gato, a pia, a mesa, a
privada
A TV, Faustão, a net, Ivete.
O vizinho que nunca reclamou do barulho de
madrugada
Nem do cheiro de maconha que o vento leva à
sua sala.
Os entes queridos, alguns estúpidos, outros
discretos, esculpidos
A barata acaba de chegar, a vida acaba de
continuar
E a morte, Deus?
Este é o assunto.
Mas antes um grande e espesso pedido:
more blues & So So drugs.
A plástica está aceita em todas as ordens.
Quando não é para a pele, seios, bundas e
lábios vaginais, é para solidão.
É para o trânsito, mesclado com um pouco de
paixão
Pelo fato de mexer com o ser.
A plástica pode ser cara, barata, depende da
agonia imediata.
O povo quer plásticas, os carros querem e
necessitam plásticas.
O antigo é uma necessidade de plástica.
E as costas já não aguentam mais a falta de
compaixão
E amor próprio.
É cinza de novo, já se passam dias e o
término é o verso que diz.
Diz o que vejo todos os dias e o que sinto.
Algo imprescindível são as praças públicas,
os banheiros públicos
As avenidas públicas.
As pessoas públicas.
Os poetas públicos.
Os sexos públicos.
O amor público e banal.
O rapaz que passa demonstra ser mais sexy
A mulher está muito mais sexy roll and sexy.
A televisão espalha modernidade e aguça a
sexualidade.
Uma mente um pouco deturpada desse povo que
faz TV.
Mente deturpada a minha que escreve pra
disfarçar a solidão.
Algo impróprio e inerente como o amor.
Algo fugaz como minha janela deste quarto
entreaberta
Espalhando palavras e sensações
Espalhando lembranças e um fino deleite de
nostalgia e saudade.
Toda palavra escrita passa por mim. Toda
palavra escrita passa por mim.
Passa por entre os cimentos dos prédios e as
suas obrigações alheias.
Sou a árvore personificada, as pedras e seus
ouvidos
Personificados.
Ouço tudo e executo os meus vícios em partes
idôneas da minha cabeça
Pensante.
Nada contra Paul e o Blues, também sou cult.
Nada contra ao L e o T, mas prefiro o cu.
E quem sabe um dia criem uma denominação mais
gostosa e brasileira Brasilês, do que cult.
Então poderei gostar do cu, sem o L e o T.
Nada contra Paul, mas prefiro o Zé.
Nada contra a Britney, mas prefiro a Maria.
Estão construindo um metrô e novos prédios.
Salvador está se organizando, agonizando
Não vejo ninguém em suas janelas observando este
fato consumível
E descritivo.
Nas favelas, muitos sorrisos e arrocha e
cachaça.
Nas janelas, muitos sorrisos e bossa e
cocaína (vice-versa).
Nas avenidas, uma Salvador sobrevive e
continua contínua.
E, dentro de mim, uma Teresina, não
Teresinha.
O coração está batendo forte, é ano de copa e
sou Brasil.
Nas avenidas, explode um sertão, uma maresia,
um Brasil.
Em São Paulo, as pessoas falam tão alto que
ouço daqui.
Não conheço Brasília, Rio, nem o Santo Paulo
Mas em janeiro, no dia primeiro, com ou sem a
copa, continuo sendo Brasileiro.
Não sei se continuo sendo Brasil.
A vida é espalhada em dores e palavras.
Gestalt me mostrou como associar vida à
morte.
E tudo a meu ver continua cor de anil.
E no mundo uma nova onda pop alternativa cult
assola os nossos
Dizeres:
more blues & So So drugs.
O pátio está vazio.
Os corredores com perspectivas continuadas e
banheiros privados e Públicos para a população do prédio
Estão vazios.
Elevadores não dormem e estão vazios.
Não retrocedem.
Elevadores não desobedecem.
Não vejo a coruja nesta noite
Sinto em minhas costas 12 assassinos e 2
sanguessugas
A coruja está ocupada ou dorme em alguma
cobertura de luxo?
Distante daqui, no vizinho, o povo faz
barulho.
No prédio, além do pátio vazio que disputa
com elevadores
Quem ganha o prêmio da solidão
Tem a população que é educada e prendada.
Come com três garfos, usa papel higiênico com
perfume
Dorme maquiada e não perde o costume
Come meu coração, entra em outro assunto,
outro cume
A fim de meu suicídio repentino.
O povo manda agradecer o silêncio neste
horário
Pena que é em outro bairro.
Mas o silêncio é só neste horário, amanhã é
dia de branco.
E, antes da manhã, já é hora de acordar.
Acorda, Brasil!
Acorda, Brasil!
Neste horário, relógios despertadores não
tocam.
Os corredores e pátios estão silenciosos.
Estão mais centrais, ansiosos , transversais.
Nesta hora, um movimento aparenta um amor sem
tento.
Nesta hora, o poeta dorme a ressaca da noite
anterior.
Os elevadores, sós, obedecem.
Não dormem, não retrocedem.
O portão eletrônico trava
O computador trava, deseletricamente
Um cigarro fumado, desorganizadamente
Outro escondido
Um vício, um martírio
Sou psicopata e carrego sanguessugas e
assassinos
Nas minhas costas nesta noite.
Dois cafés, alguns expressos, pornografia e
um jornal online.
A política dorme no corredor do pátio do meu
prédio.
Quem me dera uma fatia desse bolo.
Você também pensa assim?
O sono, neste grande teatro, tem o papel de
disfarçar a falta
De vergonha na cara.
O vendedor de jornal está entorpecido, não é
culpa dos políticos?
Notas musicais e muito axé.
O povo não lê jornal?
Ouve pagode.
A população lê jornal?
Mas que porra adianta lê jornal?
Matérias vendidas e publicidades ambíguas.
A própria lei esbanja retórica e é
estuprada.
A lei se come.
Sadomasoquistamente.
O povo quer lei, a população também?
Acorda, Brasil, o povo precisa de educação.
E não de corredores vazios, hipócritas.
Nesta hora da madrugada, meu coração é um
corredor.
Talvez durma para poder sonhar.
Poetize para poder chorar.
Eu andrugs e sonhos desgastados renovados. Antagônicos.
A mentira é o antagonismo entre o povo e a
população.
Não existe verdade única
Mas, na verdade, a população e o povo são
tudo igual
Quando habitam o banheiro.
E quem disse que isso é verdade?
Sentimento e jura, viva a liberdade de
expressão.
Ninguém está no elevador que não retrocede
No corredor, somos inúteis.
Ninguém diz não, diz sim de paixão. Pede mais:
more blues & So So drugs.
A cocaína, das mentiras, é a maior de todas.
Só não maior que o valor das campanhas
presidenciais.
Para Senador, vote no seu grupo.
Para Deputado, não tem segundo turno.
Na câmera e no senado tem uma grande mesa de
vidro.
Nesses órgãos, é possível cheirar mentira e o
cu limpar com dinheiro.
É preciso tomar cuidado para não deixar o
nariz sujo
É preciso dar o pão de cada dia e o circo de
cada ilusão.
É preciso saber quem inventou esse termo
‘regional’?
Estão premiando por aí pessoas que fazem algo
regional.
Assimilaram regional ao norte/nordeste.
Apesar do sul, sudeste, tanto faz
Lá pra baixo é tudo igual e clichê, inclusive
regional.
Como nós nordestino da peste.
Nos becos de Salvador, o arrocha
ultra-mega-original, quebra e esfrega.
Quebra também o carimbó, o afoxé, o frevo.
São Luís do Maranhão nunca mais morrerá
depois do
Poema Sujo de Gullar.
A Bahia nunca mais morrerá depois de Jorge
Amado.
São Paulo nunca mais morrerá depois de
João Gilberto Caetano.
Itapuã e o Rio nunca mais morrerão depois de
Vinícius e Gil.
E eu que escrevo estes versos não darei
sobrevida a nada nem a ninguém.
O pop é chulo e popularesco, o regional é
chulo e popularesco
Ambos inevitáveis e desejados em cada canto e
gemido.
Ambos não cheiram à mentira.
A arte pode ser cópia, mas nunca mentira.
Guarde bem isso com você.
Cada qual cheira o seu tal.
O pop está na noite e quer brilhar.
O pop é papa, idioteque, analogismo
Porém, levanto a cabeça, meu brio e deixo o
trio passar.
Quem não quer ser pop?
Já se mataram todos?
Raul não é pop? É brega.
O povo precisa ouvir mais Raul Seixas.
Ao mesmo tempo que falta café, falta seda
Faltam filas e escolas
Mas erva e igrejas têm de sobra.
Em Salvador, há muitas igrejas e templos.
O mundo é azul e Deus é Blue.
O povo pede mais palavras em inglês e modas.
Uma medida estatística qualquer para
alavancar sorrisos.
O povo pede cifras.
O político aguarda a urna eletrônica.
O político pede cifras. Eu quero também.
O padeiro que acaba de acordar lembra que
haverá segundo turno:
“Vou votar em quem?_Tanto faz, nada vai
mudar, o pão vai assar e eu vou continuar a comer, dormir, trepar e cagar e
carnavalizar”
O padeiro pede cifras.
Um alguém anda sem parar no apartamento de
cima
Ou estou ouvindo coisas and So So blues?
Este alguém pede cifras.
Haverá segundo turno.
E as cifras não acabaram.
Haverá terceiro turno, mas só os desavisados
que não sabem.
Os desavisados avisam que estão por aqui.
Na Lapa, há muitos desavisados, drogados,
putas e raimundas.
Na Lapa, só de rima, sujismunda, a política
aparece em panfletos Espalhados ao chão.
Os panfletos não querem ser recolhidos.
Um poema é pensado enquanto o poeta é
recolhido.
Abdico de minha neutralidade.
Há um tudo e um nada
Do resto, eu mango redigo:
more blues & So So drugs.
O povo pede mais morros para construir, mais
abrigos e invasões.
O povo pede mais pedaços caindo aos pedaços
de madeiras
Mais caindo aos pedaços de papelões
Mais caindo aos pedaços de assistencialismo.
Nada contra essas medidas paliativas e a boa
vontade das pessoas
E do governo, mas o povo pede mais madeiras
caindo aos pedaços
E que guarde o lugar do seu filho na escola
(Será que o pai de família pensa assim?).
São quantos anos que o povo pede mais escolas
aos pedaços
Que
não são montados?
A verdade é que esquecemos de pedir mais
escolas.
Vocês venceram com a insistência do não
fazer.
O povo não tem tempo pra montar
quebra-cabeça.
O povo se envergonharia de mim, pois sou
hipócrita.
O povo queria estar domingo no almoço
familiar e farto.
O povo faz churrasco, toma cerveja e cheira
pó (?)
Samba o dia todo e à noite talvez briga,
talvez sexo, talvez amor
Talvez choro de bebê, talvez Fantástico.
É Fantásticooo! O programa da família
brasileira.
O programa herói.
Na TV, à frente de todos, mijo. Mijo na TV.
Homens mijam.
Homens mijam na parede.
Enquanto eu escrevo cago e mijo na cabeça de
vocês.
Fui mijar no canto, não tinha espaço.
Mijo na TV a fim de queimá-la.
Bêbado, mijo nos pés de alguém
Bêbados mijam na minha cabeça e se eu deixar,
vão cagar também.
Chego em casa cheirando a xixi
E, sem saber, os de casa, mijam palavrões em
mim.
Na TV todo mundo está a sorrir.
Riem de mim.
Eu sou povo!
Se quer me esnobar, que seja pela frente
Pois sou daqueles que, do Cult, prefiro o cu.
Ou alguns centímetros acima em outro
orifício.
Quem faz amor ou fode entre quatro paredes de
forma cult e singela?
Quem pega no garfo da mesma forma que faz
amor?
O grã-fino pega no garfo delicado e fode
calado.
Existe um grã-fino em cada homem.
Existe um machista em cada homem.
Em cada homem existe uma menina.
Em cada homem existe um algo regional.
Pop transcendental e
muito mais do que estes meros versos.
Vamos, camaradas, seguir and forever and ever
Vamos, camaradas, não há o que esperar
O povo pede que clamem por eles
Vamos ao menos clamar a nós
Vamos, camaradas, ratos, baratas, formigas e
vermes
Vamos todos proclamar a liberdade.
Vamos bêbados e poetas
Pois todos pedem mais
more blues & So So drugs
Todos pedem mais
more blues & So So drugs.
Todos sofrem mais
more blues & So So drugs.
Todos riem mais
more blues & So So drugs.
Todos iludem mais
more blues & So So drugs.
Todos passageiramente
more blues & So So drugs.
Todos em estouros esquecidos com sorrisos
brilhantes aflitos
more blues & So So drugs.
Todos que pedem uma escada para chegar perto
de Deus e ficam
Firmes em suas condolências e precoces atos
de medo querem
more blues & So So drugs.
É preciso mais escadas elétricas e uma copa
com bebidinhas caseiras
Outra Copa com o Brasil campeão e mais
more blues & So So drugs.
Em São Paulo, Rio, Brasília, nas águas do
Velho Chico mais
more blues & So So drugs.
Pedem óctuplas vezes
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
more blues & So So drugs.
As prostitutas, os fulanos e cicranas dentro
do banheiro público
O polícia, o político, o viciado, o ateu, o
gringo
As torcidas do Bahia e Vitória, o futebol, o
marketing
O carnaval, as eleições, as noites e dias, o
pensamento em branco
O nariz sujo, o poeta vagueando, o granfino
transando
O espetáculo continuando, o medo surrupiando
A vida desocupando, o sujeito e o
substantivo, o adjetivo
E os que precisam de adjetivos
Aqui redigo: mais vinho, Martine, pinga com
limão e mel e
more blues & So So drugs.
As pedras falam e pedem mais
more blues & So So drugs.
Em Salvador, uma nostalgia, um fim de poema e
mais
more blues & So So drugs.
O povo clama mais
more blues & So So drugs.
O baleiro clama mais
more blues & So So drugs.
O chão se abre e torce pelo desastre, clama
mais
more blues & So So drugs.
A festa em cor de rosa toca psytrance arrocha
lambada afoxé axé Pagode Reggae rock and roll andrugs tudo rosa e mais
more blues & So So drugs.
A cidade precisa de mais engarrafamentos
A cidade precisa de mais desordenamentos
Mais diazepam e cafezinho, mais
more blues & So So drugs.
A cidade precisa de mais impostos e mais
pedreiros e mais
more blues & So So drugs.
A cidade precisa iniciar o pregão e mais
more blues & So So drugs.
É pedido mais plásticas e amor banal
É pedido que as pessoas fiquem mais sexys e
mais
more blues & So So drugs.
Aparecem cada vez mais avenue, cult, cocaine
e Aurélio
E pede mais
more blues & So So drugs.
Em Salvador, um sobrevivente, mil mortos.
Ou é a minha pele que esfria e padece podre?
Ou é meu pulmão fumaçado
E minha garganta desgraçada?
Ou é meu vício e minha desobediência?
Ou nunca vivemos e sempre fomos mortos?
Ou é Teresina que me diz viva?
Ou é o pedido que clamam:
more blues & So So drugs.
Pedem mais sadomasoquistamente e mais e mais
e mais
Repetitivamente
Repetitivamente
Repetitivamente
Repetitivamente
more blues & So So drugs.
Os assassinos e os sanguessugas
E o povo educado e prendado
O povo aprende com os granfinos a educação e
prenda
O ladrão de galinhas se irrita ao saber
Que o ladrão de colarinho pede mais e nada
acontece
Eles querem mais:
more blues & So So drugs.
Acontece do portão eletrônico travar
O computador travar
Deseletricamente desorganizadamente um vício
Um martírio, uma pedra de crack.
E fume à vontade.
O pão de cada dia já foi dado e o circo de
cada ilusão também
Tem para todos e muito mais e mais e mais e
mais, acorda, Brasil!
E mais e mais e mais
more blues & So So drugs.
Os artistas ficam em vitrines
E nos subúrbios e nas esquinas
E nos bares e na lua, os artistas escondem-se
Os artistas esqueceram a arte?
Mas não param e pedem mais
more blues & So So drugs.
Em Salvador muitas igrejas e templos
Enquanto Deus continua Blue, cor de anil
E ninguém viu, a eleição passou?
Tudo agora cor e dor anil, para isso, tem
mais
more blues & So So drugs.
Eu vou continuar a comer, dormir, trepar,
cagar, carnavalizar e pedir Mais
more blues & So So drugs.
Mais cifras e mais
more blues & So So drugs.
Mais desavisados, drogados, putas e Raimundas
E loucuras
E mais
more blues & So So drugs.
É Fantásticoooo e mais
more blues & So So drugs.
E apelo em mais
more blues & So So drugs.
E mistura e mais
more blues & So So drugs.
E mulheres e mais
more blues & So So drugs.
E clichê e mais
more blues & So So drugs.
E madrugada e mais
more blues & So So drugs.
É vontade e mais
more blues & So So drugs.
É mentira e mais
more blues & So So drugs.
É vertigem e mais
more blues & So So drugs.
Pois agora sinto overdose, embora seja
passageira em mente.
Sinto uma música melancólica, um pedido não
feito
Um poema pertinente.
Impertinente?
Um choro que não saiu.
Uma vida que ri e riu.
Um futuro que se perdeu, escafedeu-se, não se
sabe.
Sou povo que agradece a condolência e, ainda
assim, sinto vergonha
E asco de minha hipocrisia
Eu sinto vergonha, mas já a aceito bem.
Enquanto uns se despem e dormem
Outros cavam a sua própria tumba e preferem
morrer.
Dentro de mim há mistura, usura, loucura.
Fora, por fora deu, um sorriso para você,
independente do que sinta Quanto a isso.
Porém sinto-se-me.
Viva o Brasilês!
O céu quebra e o amor está aqui enquanto
pedem mais
more blues & So So drugs.
Enquanto leio livros e crio parte de meu
circo lúdico e como meu pão
E bebo meu vinho barato, que divido com
Cristo
Agradeço a condolência de minha paciência
E de sua paciência.
No outro lado, por dentro e por fora do olho
Tudo mais misturado e mais ou menos
inexistente
Lisérgico.
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