quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Conto do livro "Imagine alguém te olhando do escuro" - Caixão de Luxo

Caixão de luxo

João, conhecido como “Boca”. João, conhecido como “Toquinho”. João, conhecido como “Maneco”. João, conhecido como “Negão”. João, conhecido como “Pepe”. João, conhecido como “Popó”. João, conhecido como “Cinquenta e um”. João, conhecido como “Jonny da Pedinha”. João, conhecido como homem trabalhador. João, conhecido como morta-fome. João, conhecido como pai de família desempregado e fodido. João, conhecido como mendigo. João, conhecido como “Doutor João Astrobaldo Alfonso Nogueira Vieira de Sá Júnior”, deputado federal e juiz de uma comarca de Teresina.
Bom, esse último “João” será noticiado no jornal como morto. Sim, algum dia. Provavelmente na parte de celebridades que deixam saudade para o POVO. Esse João, o político e homem da lei, tem carro importado e não anda pelos confins da estação velha de Teresina. Aquela perto do Cabral, na Avenida Miguel Rosa.
O campo dessa estação é um reduto de fumadores de crack, ou era, até o exército tomar conta daquela área. Mas será que acabou? O exército não está livre de ter fumadores de crack. Passei por essa estação outro dia, por fora. Nesse dia, um cara colocou a faca no pescoço da minha esposa. Não aconteceu nada, felizmente. Mas para o João “Boca” aconteceu, e na estação velha. Ele morreu. Ele estava naqueles dias: magro, cheio de feridas pelo corpo, fumando crack para perder a fome e pensando em sua mãe. O João, conhecido como “Boca”, foi-se além. O mataram! E ninguém sabe por que fizeram isso e nem querem saber. Já o João Astrobaldo, o João importante da história, neste momento, enquanto a morte não chega, está em seu lindo escritório, com um banheiro limpo e com restos de comida no prato, desperdiçado do almoço: um pedaço de frango mordido, mais de uma colher de arroz, bife acebolado mordido ao meio, pedaços de alcaparra e alface, e uma colher de feijão.
 _Aline, mande pedir um McDonald’s para mim. – pede o João Astrobaldo pela secretária eletrônica para a sua secretária.
Provavelmente essa comida vai parar em algum lixo da cidade e será catada por algum outro João, o morta-fome.
O João, o “Boca”, está dentro de um caixão de madeira de quinta categoria, com seis furos no corpo, preparando a sua pele para os vermes. Este morreu de graça. Graças a Deus, acabou seu sofrimento. Vá em paz, João. A partir de hoje, você não vai mais precisar passar fome nem chorar a melancolia da vida desgraçada que é oferecida a você por João Astrobaldo e seus comparsas brasileiros.
Enquanto isso, João Astrobaldo vai ao banheiro do seu gabinete e bota tudo pra fora, com gosto e sem dor na consciência. Tranquilo, ele se limpa com o papel higiênico de sabor morango e textura delicada, que é para preservar o seu cu bem nascido. Por um breve momento, João Astrobaldo, em seu trono, sorri. E pensa: “se eu não botar no cu deles, eles botam no meu. Por isso, roubo mesmo!”. Ele sorri copiosamente.  Ele lembra que, aqui no Brasil, os políticos e juízes corruptos não têm o mesmo fim que outro João, o “João chinês”. Muito pelo contrário, o “João do voto” daqui do Brasil tem sempre um final feliz e eterno, como nos contos de fada.
Já o João, o “Boca”, em seu caixão de madeira pago com mais um empréstimo do banco, longe de todo barulho do mundo, reflete: “sou a favor de que corruptos levem tiros na cabeça, de escopeta. Um na cabeça e outro na cara. Para se certificar de que ele está morto e será passado”.
Pena o Brasil não ser como a China. Lá, quando o João chinês rouba de dentro de seu gabinete e é pego, esse João ladrão corrupto da China, e também filho da puta como o João Astrobaldo, paga a bala do único furo que vai levar para o seu caixão de luxo.

Se um dia o Brasil adotar isso, sou a favor do tiro ser na cara. E que sejam dois.

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Este é um dos contos que mais gosto deste livro. Ele expressa minha opinião sobre o que deveria acontecer com os corruptos brasileiros. 


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