segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O herói do Brasil - Conto do livro 'Imagine alguém te olhando do escuro'

O herói do Brasil

Entrando no cinema para acompanhar a sessão de estreia do Filme “O amador que ama”, Filho Batista é cercado por jornalistas e admiradores. Depois de setenta anos de carreira como ator, ele ainda atrai atenção de todos por onde quer que vá. Algumas pessoas e críticos gostam de falar que ele está em decadência e que a educação e a simpatia que ele tem só acontecem na frente das câmeras.
Antes de adentrar a sala 4 do cinema, um dos seus muitos fãs o aborda com um abraço caloroso. Filho Batista, como é de costume, corresponde ao abraço. Em seu ouvido, o fã fala algumas palavras, só para o grande artista ouvir:
_Você é um verme morto-vivo vomitado andando torto, quase de quatro e em decadência. Quando você anda, vejo muito mais esterco de diarreia do que talento...
Antes que seu fã, que o abraça com tanto carinho e afago, terminasse a frase, Filho Batista o ataca, segurando em seu pescoço com um grito que beira o ódio e com olhos inchados para fora. No meio de flashes, curiosos, outros fãs e colegas de trabalho, Filho Batista quase mata o Flores, o seu fã carinhoso.
Depois de separada a confusão, Filho Batista, para se explicar, ainda exaltado, fala tudo o que Flores, seu carinhoso fã, falou em seu ouvido. Os críticos viam na situação um velho aloprado, ranzinza, em decadência e querendo ibope. Os fãs do Filho Batista não acreditaram em Flores até o momento. E Flores, com um rosto de vítima, dizia que ainda amava o seu grande ídolo, mesmo depois do ocorrido. 
_Mas, Flores, o Batista disse que você o xingou quando encostou em seu ouvido. O que você disse a ele?
_Não. Não o xinguei de jeito nenhum. O Filho é meu grande ídolo, a grande inspiração que tive para poder ser alguém na vida. Desde criança que admiro o Filho. E eu dizia exatamente isso a ele, quando senti suas mãos em meu pescoço. Li uma vez que ele tem andado meio entediado com a vida e a velhice, mas eu não quis acreditar. Ele é meu grande herói! Mas eu sei, todos nós temos esse tipo de fraqueza humana. – ele diz, emocionado com o encontro com seu ídolo e o ocorrido entre eles, mostrando que sabe falar bonito, em pose para mais flashes e perguntas curiosas dos repórteres.

Na mesma semana, Flores foi convidado para um programa que passa à tarde em uma das TVs nacionais. Entretenimento sobre a vida dos outros, era o que esse programa prometia. Nesse dia, ele deu opiniões criativas e populares, mostrou desenvoltura com o enquadramento e sorriu feito um Augusto romano, além de fazer tal programa crescer três pontos no ibope quando mencionou emocionado o seu amor por Filho Batista. Com isso, foi convidado a voltar nesse mesmo programa pelo menos uma vez por semana. Para isso, ganhava um bom cachê. Depois de algumas semanas, já tinha fãs de todas as classes, raças e crédulos, e ainda convites para posar nu. Ele tem um dote insuperável, prometia um colunista. Depois de um certo tempo de fama, Flores saiu do vermelho que o acompanhava há um tempo. Depois de um ano, já participando ativamente nesse programa, é convidado por outra emissora nacional para participar de um programa que ia ao ar em todas as manhãs, de segunda a sábado. Seu salário aumentou seis vezes, fora os “trocados” por fora. Formou-se em jornalismo. Fez curso de dicção. Curso livre de teatro. Aprendeu a falar inglês. Fez uma lipoaspiração. Retirou pés-de-galinha. Na época, muitos repórteres o bajularam em suas revistas de fofoca e páginas da web.
Uma revista famosa de entretenimento social o convidou para uma ilha onde lá estariam outras celebridades, astros, estrelas, famosos, chiques, estilistas, empresários, intelectuais, músicos, políticos, artistas, entre outras pessoas especiais da nossa sociedade. Na ilha, ele revelou que adorava salmão com arroz à grega todos os domingos, bebendo vinho do Porto. Revelou também que já tinha ficado com uma mulher que fazia a novela do horário nobre da emissora concorrente, mas que não podia revelar quem era, só dizer que essa pessoa adorava receber chocolate na boca. E ainda acrescentou que “nunca faria filme pornô, é degradante”. Nesse mesmo ano, no mês 11, começou a namorar a âncora do programa que trabalhava. O casamento deles foi vendido à imprensa por quatro milhões de dólares e quem comprou foi um canal concorrente da emissora atual de Flores. Isso fez com que ele e essa âncora fossem demitidos e disso migrassem para a outra emissora concorrente, que era maior, ou seja, uma oportunidade imperdível.
O casamento de Flores e da âncora do antigo programa em que eles participavam foi assistido ao vivo por quase 70 milhões de pessoas no Brasil, sem contar o ibope de fora do país. E ainda foi transmitido pela internet e por outras TVs que compraram um pacote menor para transmissão. Esse assunto, o casamento deles, lotou as capas de revista de entretenimento e sites da internet por quase três meses, batendo um recorde de permanência na mídia efêmera atual. Flores, nessa nova emissora, já chegou com seu talento reconhecido de apresentador. Era bonito e ainda casado com a mais nova âncora de um programa que pegava três horas por tarde em todos os sábados. Muita cultura, entretenimento, culinária e música era o que o novo programa da esposa de Flores prometia. Enquanto isso, Flores fazia pequenas participações em programas de humor, telejornais e programas de entretenimento mais cultos da TV por assinatura. No seu terceiro ano de contrato, com o salário mais uma vez renovado, muitas vezes maior que seu primeiro cachê, foi convidado para participar de uma novela no horário nobre. Uma participação especial. Ele, com todo seu charme, conquistou os críticos com a sua atuação encenando um doido de hospício que costumava andar nu pela cidade. Disso, dois anos depois, Flores foi convidado para ser o galã de uma outra novela em horário nobre. Assim, ele seguiu sua carreira fantástica e meteórica.
Certa época, Flores deu uma entrevista e afirmou:
_Se não fosse meu grande ídolo, Filho Batista, nada disso teria acontecido.
Depois de tanto tempo, uma afirmação como essa se tornou graça e humor negro entre os seus críticos e fãs, que antes já tinham sido fãs do Filho e agora evoluíram a fãs do Flores.
Depois de 12 anos de casados, sua esposa teve uma parada cardíaca. Alguns críticos, mais maldosos, atribuíram a morte dela à decepção que teve com o seu marido, pois "ele era uma farsa", garantia a âncora em uma de suas entrevistas. Um desses repórteres críticos garante que conversou com a esposa de Flores dois dias antes da morte e ela não aparentava estar mal, e mais, “ela afirmou que Flores é uma mentira artística”.


Todos juntos choraram no enterro da esposa de Flores. A comoção nacional apoia Flores, escreveu um colunista. Assim, lá e cá, entretenimento. Assim, lá e cá, ídolos e fãs, salvando-se da realidade, na qual caminham heróis, mas vivem mascarados.


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Leia meias contos do livro no link:


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