quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Conto do livro 'Imagine alguém te olhando do escuro'

O riso dos ratos

O gato trilhava pelo muro e ele espreitava com uma faca e a mangueira na mão. O gato avistou uma presa, ainda no muro. Com seus olhos noturnos, preparou o bote. Ele, com a mangueira, jogou água. O gato, distraído, caiu perto dele. A faca amolada só precisou de uma passada para cortar as costelas do gato. Os miados foram tão altos, que alguns vizinhos saíram de casa para ver o que era.
Uma vizinha diz:
_Mata logo o coitado.
_Primeiro: ele saiu correndo feito gatinha coitada. Segundo: vai cicatrizar. Disso, terei outra chance de cortá-lo mais corretamente. – ele, risonho, mas calmo, afirma. A vizinha não teve nenhuma reação.
Ele se gabava sempre: já cortei rabo de cachorro depois dele adulto. Arranquei olho de sapo. Fiz corte na pica de vira-lata pra ficar parecendo língua de cobra. Arranquei asa de passarinho. Afoguei alguns gatos que caíam na arapuca que aprontei aqui em casa. Eles caíam, eu os pegava e os afogava. Quando via que estava perto de matá-los, tirava da água, fazia um corte, sem precisão, em suas garras e os deixava ir, cambaleando. Já cortei rabo de rato, olhos de rato, pelo, couro também. Não acham que os ratos merecem? – perguntava sorrindo.
_Uma vez, um cachorro que eu estava capando no momento em que ele cruzava com uma cadela, me mordeu. Arranquei duas patas e os dentes de baixo de sua boca. Com a cadela, que ficou com a pica do cachorro em seu cu, amarrei ela com uma força que a fez sangrar. A deixei sangrar até estar perto de morrer. Aí eu confesso, senti um pouco de pena, então comprei bombas de São João, aquelas de cem, muito fortes, e fiz a cadela explodir. Tenho certeza que ela me agradeceu por esse ato.
Alguns vizinhos gostavam. Outros entendiam o seu prazer. Outros o odiavam. Outros o achavam louco. E mais outros e tantos outros achavam tudo isso normal e até poderiam fazer igual.
Uma noite em que ele assistia à TV em sua sala, um gato, sem parte de seu pelo, adentra o local. Ele, de costas para a porta e de frente para a TV, não vê. Entram quatro sapos. Dois sem uma das patas. Outros dois com o corpo inchado, como se tivessem experimentado sal na pele. Entram mais gatos, cada um com uma parte do corpo arrancada: patas, olhos, dentes, pelo, pênis, orelha etc. Entram cachorros, todos mutilados e silenciosos. Um desses cachorros, com o ânus ainda sangrando muito, como se tivesse sido penetrado por um cabo de vassoura, parecia o líder. Alguns ratos, que já esperavam os outros animais embaixo do sofá, contentes com o momento, fizeram barulho, sons de riso. Apesar de estarem mutilados, eles ainda riam. Ele se levantou.
_Esse som é de rato!
Quando olhou para trás, viu uma “multidão” de animais em sua sala: gatos, cachorros, ratos, pássaros, tartarugas, lagartos, etc. Antes que tivesse tempo para falar ou fazer alguma coisa...
A porta de sua casa foi fechada por duas tartarugas. Uma sem o casco, outra sem um pedaço do pescoço e menos uma pata. As janelas foram fechadas pelos pássaros. Muitos depenados e outros mutilados. E depois dessa noite, nunca mais se ouviu falar dele, nem de suas histórias.

E os ratos riam.  

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