quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Conto do livro "Imagine alguém te olhando do escuro"

Criador e criatura

Depois de degustar o almoço preparado por ele, levou o prato, os talheres e o copo para a pia. Depois lavo isso. Pensou. E foi direto para o quarto tirar aquele bom cochilo da tarde. À noite, voltou até a cozinha para lavar a louça. Ao terminar, lembrou da panela em que foi feita a comida. Ele a olha: depois a lavo – pensa, voltando para a sala, pra assistir à TV. No outro dia, foi trabalhar bem cedo, almoçou na rua e quando chegou em casa à noite, já era tarde demais. Não se lembrou da panela que havia ficado suja. E, no outro dia, do mesmo jeito, saiu cedo demais, almoçou na rua, à noite, chegou tarde e a panela novamente foi esquecida em cima do fogão. E, em mais outro dia, acordou cedo, foi beber água. No relance de seu olhar, viu a panela. “Esqueci-me da panela. Hoje à noite a lavo”. E, depois de um dia movimentado, chegou em casa cansado e afim de dormir. Tomou banho, deitou-se. Sentiu sede, foi até a cozinha e se lembrou da panela. Tenho que, pelo menos, jogar fora o resto de comida dentro dela, e amanhã a lavarei. Pensando assim, foi até a panela e a abriu. Um fungo formava-se. Algodão! Pensa, espantado, olhando para o fungo. Se bem que, olhando bem, parece mesmo um algodão e, com esses pontos verdes espalhados, está até uma imagem bonita, artística. Fechou a panela e, pela sua mania de cultuar a arte, deixou como estava. Voltou para o quarto satisfeito e foi dormir.

Depois de três semanas alimentando a sua arte, jogando restos de comida, cinzeiros cheios, cuspes matinais e outros detritos, e ainda cultuando a arte que o fungo formava, cada vez maior e tomando conta da panela e do fogão com as partes do algodão. Chamou amigos para ver.
_Você é louco, não está sentindo o cheiro? É podre isso aqui. E seu fogão, vai ter que comprar outro!
_Está lindo, já tirou foto e registrou filmando? Vamos botar na internet para que mais pessoas no mundo vejam essa preciosidade da arte contemporânea.
_Foi exatamente o que fiz ontem. Filmei, fotografei e botei na internet. E, quanto ao cheiro, só te digo uma coisa: é tão lindo que o cheiro fica bom. Na verdade, até me acostumei. E o fogão é pedaço da minha arte, também. O fogão nunca se perderá, pois ficará na eternidade da história.

Uma bela noite, ele chega em casa. Como sempre, cansado, mas feliz e orgulhoso com a escultura de arte contemporânea, totalmente original. Ele tomou banhou e foi até a cozinha.
_Cadê a panela? Sabia que um dia iriam roubar minha arte. Bando de invejosos! – ele começa a se indignar.
Volta até o quarto para pegar algum dinheiro, a chave do carro e para ir até a polícia prestar queixa. Mas, antes que saísse de casa, ouve um som na sua cozinha. Vai correndo até lá, achando que pegaria o ladrão. Não há nada na cozinha, a não ser o fogão podre de sujo e pedaços do algodão-fungo pelo chão.
_Filhos da puta! Ainda deixaram rastros.
Por trás dele, com o dobro de sua altura, está um algodão esverdeado com a boca cheia de pedaços pontiagudos e verdes. Ele, acostumado com o cheiro de seu dia a dia na cozinha, não percebe a criatura.

Antes que fosse reconhecido por qualquer órgão mundial pela sua arte conceitual e contemporânea, ele sumiu sem deixar rastros. Ficaram alguns algodões fedorentos e que ninguém se importou.


////

Leia mais histórias do livro no link abaixo:


CAPA DO LIVRO:


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentem, mas deixem seu contato para que eu tenha o direito de resposta.