quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Nostalgia - conto do livro 'Imagine alguém te olhando do escuro'

Nostalgia

Eles cresceram juntos na mesma vila. Quando eram pequenos, quase não se viam. Na adolescência, se amaram. Primeiro amor de ambos. Naquela época, ela escolheu ir para a capital, ele decidiu ajudar o pai na roça. Ela se fez profissionalmente e amou muitos. No entanto, estava perto dos 40 e não tinha filhos. Ele casou aos 22, porque engravidou a filha do vizinho da roça onde morava. Teve seis filhos. Aos quarenta, amava a família e fazia questão de não sair das terras herdadas do seu pai. Ela, para variar e aliviar as ideias, ia para a Europa quando era inverno por aqui. Não há nada melhor para a alma que o verão de Paris e as ruas de Mônaco. Ela afirmava às amigas de sua terra natal, que sempre reencontrava quando ia visitar sua família. Ele soube que ela andava pela cidade, mas nunca quis procurá-la. Ela anda de marca, carro importado, parece uma atriz da TV, eu estou careca e gordo, cheio de filhos para cuidar. Não quero problema para minha família e para minha cabeça. Ele afirmava aos amigos. Um dos seus amigos lhe disse: ela continua linda! Ele balançou a cabeça positivamente e disse: disso eu tenho certeza. Beleza como aquela nunca se acaba. Até porque os olhos nunca mudam e a beleza está na alma. Apesar de morar na roça, sempre gostou de ler, era culto. Ela, já mais fashion, adora festivais de cinema internacionais, visita feiras de literatura pelo Brasil e mundo, e sempre volta desses lugares com pacotes de compras. Adora os corredores de vitrines da última moda mundial em Nova York, Sidney, Londres, Dubai, etc.
Com 87 anos, ele já não tinha mais a roça. Seus filhos e netos internaram-lhe em uma casa de velhos. Era assim que ele chamava aquele lugar. Ela, depois de dois casamentos frustrados e ainda sem filhos, voltou para a sua terra natal e se internou nesse abrigo para idosos. Lá, pelo menos vou ter companhia. Ela diz, pensando em sair da solidão que é a vida perto dos 90 anos. Na primeira semana, eles se viram, mas não se falaram. Na segunda semana, com atitude dele, pois os olhos dela ainda eram os mesmos, sentou-se ao seu lado no almoço em grupo.
_Eu lembro-me de ti.
Ela sorriu e não negou também lembrar-se dele.
Depois desse dia, tornaram-se companheiros inseparáveis. A melhor hora do dia era quando passeavam pelo jardim de mãos dadas sob as luzes do sol invadiam as brechas das plantas das árvores. Todas as manhãs, ele fazia o café dela. Durante a noite, quando tinham que se separar, falavam de como era bom aquele passado. Um dia, ela descobriu que podia pagar uma quantia a mais para poder dormir com ele. Ele, à antiga, pagou para que isso acontecesse. Agora, todas as noites eles dormem juntos e se deliciam nos cheiros e toques trocados. O amor acontecia ali, enquanto a vida pulsava naquele eterno momento.

Depois de alguns meses de reencontro, ele faleceu. Ela, no jardim do abrigo, depois de dois dias, sorria sozinha com o suéter do seu amado, sentindo o cheiro doce na peça de roupa e a nostalgia que batia em seu coração. Apaixonada novamente pela vida, pensava qual seria o próximo destino na Europa.         

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Este conto pertence a história "Amores e Acasos". História que tem cinco contos curtos.

Leia mais contos do livro aqui:
http://issuu.com/joseaugustosampaio/docs/imagineonline


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