quinta-feira, 11 de julho de 2013

Leia a crônica "Noturna" de Vanessa Teodoro Trajano


Vanessa Teodoro Trajano,
a conheci no dia 13 de junho de 2012 no lançamento do meu livro "Desigual", por coincidência, obra divina ou macabra, ela estava lá do meu lado, também divulgando o livro de contos dela "Mulheres Incomuns".
Depois disso, não demorou muito para eu conhecer melhor o trabalho dela e me convencer de que aquela morena cheia de riso, brilho e beleza, tinha muito mais a oferecer. 
Ela é uma Incomum. Uma escritora Incomum, uma amiga Incomum, uma poeta e mulher Incomum. 
Aproveitem seu texto abaixo e sintam a sinceridade da escritora, o que a torna melhor e diferente de outros e outras escritoras que fazem tipo até na hora de escrever...  


NOTURNA
A mesa estava farta de gente; eu há muito já me embriagava, e no meio de tantos cortejos, um certo orgulho com um misto de raiva se disparou em mim, e me detive a silenciar um pouco: estava faltando algo, como sempre faltava. Até porque se não faltasse eu não beberia tanto.
Vazio. Havia acabado de descobrir: um ex-amor, comprou uma casa num bairro afastado para quem sabe dividir morada com sua nova mulher, que claro não sou eu. E por isso bebi. Mais uma vez; reinventando e renovando o mesmo motivo de sempre, a dor infinita que se comprometeu a nunca me deixar em paz.
Fora isso eu estava exausta: procurando entender porque quem eu queria que estivesse ali não chegava a momento algum, e não iria chegar – ele não tinha a menor vontade de me ver. Reconsiderei: reciprocidade será algo impossível?
Foi aí que um outro ele chegou. Os olhos grandes chegaram primeiro, os olhos que espetam a alma, sem nenhum receio de parecerem invasores. Talvez ele quisesse isso mesmo: me vasculhar, me desnudar, e outras maneiras de dar o que eu faria-o receber sem que me desse conta.
Sofri.
Algo me escapuliu das entranhas. Uma vontade urgente de ser descoberta por ele, cada detalhe... Devaneei por naquele momento pensar que ele se tratasse de algum salvador meu, aquele que iria destravar todas as dores. Tudo é tão ingênuo numa mulher que se divide entre a fragilidade e o poder de ser mulher, que não se pode nem apurar!
Escolhi dizer as aflições a um só tempo: cada palavra vomitava sem organização alguma, apenas brotavam com o fulgor do instantâneo, jorrando tudo como se há muito quisesse aquilo, e decerto ele percebeu o meu desespero. Óbvio, eles sempre percebem. Eles sempre fazem nota do que sentimos, por mais que não entendam. Mas ele, em especial, entendia. Estava escancarado naquele olhar que por si só já eram duas fendas enormes no meio da face, derramadas sobre as bolsas de sono e vida que se acumularam com o tempo. Não que fosse velho, ele tinha a alma velha. E eu não acostumo nunca a conversar com almas muito jovens: elas enfadam, e são afoitas demais para a minha paciência. Tudo o que eu passei até hoje teve um preço, e ele se resume em selecionar as pessoas do meu convívio, temperando-as a tal ponto que eu me condeno a ficar só, por desastre do destino.
Desculpe-me o leitor se eu lhe parecer patética. A vida quando dói muito nos dá uns solavancos de tristeza súbita e inesperada e ela só pode vir sob a forma de uma pieguice, daquelas mais banais que todos condenam, mas sempre um dia ao menos uma vez se entregam. É o desapego da hipocrisia que a contemporaneidade e todos os tempos modernos já nos ensinaram. Ainda bem que somos humanos e por mais que queiram nos degolar com instituições e outras penosidades, nós sempre teimamos em algum momento em berrar - Nem que seja sob a sutileza de uma pieguice.
E não sei se por embriaguez, mas eu ia ficando mais desnuda do que pareço ser, e ele me amedrontava com perguntas que apesar de doerem firmes eu gostava, com o sabor de quem se arrebate no sado.
Não; ele não se aproveitava do meu estado, dava pra ver a criatura boa que era, e talvez quisesse descobrir o conflito tão agrilhoado em cada gole meu, um brinde a cada coisa por mim merecida.
Fui seduzida. Não por uma conversa interessada exatamente na conquista, mas sim pelo intuito de me conhecer. Tão seguro de si! Creio que ele se conhece bem para se interessar em bisbilhotar uma alma tão enviesada como a minha, que só chama olhares por curiosidade, nada que se prolongue por muito tempo. É que a gente tem que apurar nossa sensibilidade para perceber esse tipo de aproximação e não cair no abandono logo, após o outro se satisfazer, como um urubu esgueirado sem paz nenhuma.
Mas ele não.
Reconheci a sinceridade. E ela era tão bela que me vi a desejar: um beijo, um abraço, um afeto. Todos eles noturnos, nada que vingassem numa posteridade. Há muito não vinha eu a doar meus lábios a ninguém. Ele seria meu premiado.
Se quisesse...
Estava cansada de tanta gente passando, tanto barulho, tanta conversa que voltava pro mesmo nada. Estava cansada de qualquer coisa que não fosse ele. E fomos embora, juntos, mantendo o mesmo ritmo de conversa. A conversa que não freiou em instante algum, a conversa que não pediu um beijo.
Eu pedi.
Em silêncio.
Entrei em casa com a mesma sensação que mantive o tempo todo no bar: a da falta de não saber o que faz falta. Saudade indecifrável de tudo o que não acontece. A ansiedade abundante de vida que não se cumpre. O desejo arremessado contra o medo. Tudo isto e os meus bons sonhos por fim.
Vanessa Teodoro Trajano



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